Escolheram-se: a Mulher da língua afiada na justa medida da palavra, o Mestre dos corpos e porta voz das muitas falas, a Senhora do carvão com seus livros na mão e a Saia Rodada de tom grave que girava com profunda austeridade.
Sobre a Mulher da língua afiada
Ela fez uma festa em um lindo palacete construído para ser inaugurado no último dia do seu reinado.
Todos os presentes
já sabiam que ela subiria a íngreme escada de ferro.
A vermelha
escadaria.
Então fizeram fila
para ouvirem as suas palavras de despedida.
Ela foi
homenageada com muitas honrarias, com discursos, danças, canções e poesias.
Ela provocou o
inesperado, riu e gargalhou com tudo que deu errado, ridicularizou o pudor,
aplaudiu o fogo e pediu que vaiassem até que o fracasso enfim terminasse.
Ascendeu
despedindo-se da matéria. Ela doou para leilão seus colares, suas pulseiras,
seus anéis. Leiloou sua voz. Deu de presente seu corpo e seu coração.
Deixou todo o
barulho dos seus gritos, deixou seu nariz de palhaço, deixou sua expressão
livre.
Sua língua afiada
virou tinta, tecido, plástico, ferro, madeira.
Sua língua afiada
virou teatro, dança, cinema.
Sua língua afiada
virou arte e escorre pelas paredes verdes de seu palacete.
Quem quiser ouvir
agora a justa medida das suas palavras, terá que ser livre o bastante para
desfilar em praça pública de maiô, com a bunda suja de cocô e com a merda a
escorrer pelas pernas.
Terá que ser livre
o bastante para se expor sem temer o vexame.
Terá que ser
livre, minimamente livre, para fazer da existência uma experiência VERDADEIRA.
Sobre o Mestre dos corpos.
Ele riu do
esquecimento para não virar ressentimento.
Poderia lamentar,
mas preferiu trabalhar.
Ascendeu para um
novo dia e sabiamente fez o que já fazia.
Ele sabe que o que
mudou foi a qualidade da hora, mas que o tempo continua sendo o mesmo.
Sobre a Senhora do carvão.
quero em sonho ver
tua mão pintada de carvão sobre minha face pálida.
quero te emprestar
minha caneta para escreveres nas minhas costas as palavras que mais gostas.
por que nas
costas?
para que eu tenha
que pedir aos outros que leiam em voz alta.
quero que os
outros leiam onde meus olhos não alcançam.
Sobre a Saia Rodada de voz grave.
Um trono nunca
poderá ficar vazio.
...
Então disse uma
sábia mulher do povo:
"Não tenho
inveja do seu poder porque eu tenho o meu"
Seja bem-vindo o
novo PODER.
Que a ascensão
seja para todos!!!
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