sexta-feira, 24 de setembro de 2010

quarto de hotel ou primavera 2010

Rápido, contínuo movimento do corpo dentro do espaço dilatado do fundo da terra. Clamam todos pelo rebento. Sopra o vento, o vácuo encontra a explosão, vem o barulho do trovão. Vem também ela cheia de gratidão pela oportuna chance de viver e aprender a humilde tarefa de ser de novo um nada. Nada, vazio, começo, uma criança num berço a brincar com um móbile, a vida se move e nossos olhos correm para alcança-la. Diante do olhar pisca-pisca a vista, pálpebra, vigília (...)

Tantas estrelas sobre minha cabeça, tanta chuva de cachoeira, meus pés na pedra, correnteza. Que canto  suave, o canto da sereia. Nudez aguardando o chamado, o recado do pássaro preto avisando que a flor desabrochou, que a primavera chegou. Enxugo o corpo, penteio os cabelos, me deito. Sou terra fértil explodindo em cor. A festa da minha chegada. O amor. (...)

Derramava sobre as casas a garoa fina da noite nublada. No silêncio que morava atrás do descanso das janelas fechadas surge o perigo de ver eternamente mergulhado num lago, o tesouro afundado. Ladraram
os cães anunciando que uma mulher de escafandro adentrou a água escura e trouxe à superfície turva um baú. Um baú lacrado. Preferiu não abrir, deixou-o muito bem guardado por exatos dez dias. Precisava primeiramente despedir-se de um remorso antes de tomar posse do conteúdo raro que ficou por tanto tempo afastado do conhecimento sensivelmente humano. Depois de purificadas as mágoas, sentiu-se pronta para apropriar-se dos enigmas do mundo submerso. (...)