terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Prólogo| Abertura| Cena 1...



Pois bem, quem é ELA?
Nome, data de nascimento, peso, telefone, e-mail, endereço, estado civil, registro geral...
Gestante?
Faz uso de anticoagulante?
Diabetes?
Alergias?
Consegue ficar em Decúbito Dorsal Horizontal?
Tem Claustrofobia?
Estado de consciência: Coma? Confuso? Consciente?
Estado ventilatório: Entubado? Ar Ambiente? Oxigênio?
Necessita Anestesia?

Quantos são os pilares?
Quantos desejos na fila de espera?
Quantos pedidos na lista de espera?
Quantas vontades na CELA de espera?

Sete pilares, sete desejos, sete pedidos, sete vontades.

1. curar as dores, as feridas, ortopedia, cauterização, atestado de saúde transvaginal.
2. sustentar, pagar, manter, estabilizar, orçar, garantir, custiar, lucrar, dar conta do poder de compra, contar.
3. sorrir, bem humorar, rezar, florir, autoajudar, benzer, bem dizer, zen-estar.
4. habitar, ter onde cair morta, dormir, talvez sonhar, decorar, sofá, pia, chuveiro, tanque, imobiliar, dois quartos, sala, cozinha, com fiador, confiar.
5. não gritar, castigar, limitar, vai cagar no mato, gritar, bater, por para pensar, malcriar, educar.
6. cozinhar, lavar, passar, limpar o ralo, a privada, tirar o lixo, lustrar os móvies, desengordurar, lavar a geladeira, descongelar o frango, mandar moer a carne, fatiar, picar, fritar, temperar, sentar pra almoçar, tomar café, recomeçar.
7. poetizar, rimar, rasgar, resumo, rascunho, pincelar, aquarelar, óleo sobre tela, borrar, experimentar, razurar, rubricar e assinar.

(todas lenvantam e assinam um documento)

A oitava estrela, a grande mãe das estrelas, anuncia o início deste caminho, vamos seguí-la sem perdê-la de vista, ela nos guiará desde a entrada até a porta de saída. Enquanto é dia, brinquem sob o sol, traspirem, caminhem sob o sol, delirem: insolação, alucinação, miragem, duplicação da imagem, transfiguração, ilusão. Quando cair a noite, mirem o céu e sigam-na, avancem até a porta do primeiro quarto, entrem de olhos vendados e aguardem o chamado.

Quarto número 1. O Poder te chama:

Já mentiu? Já riu da desgraça alheia? Um preconceito, tem?
Já sentiu ódio? raiva? nojo? desprezo? 
Sarcasmo? ironia?
Preguiça?
Sabe humilhar?
Sabe roubar no jogo?
Trapacear?
Cinismo? Indiferença? Arrogância? 
Sabe ser bem filha da puta?
Vocês são umas filhas da PUTA? 
São ou não são? Não me façam perder tempo com gente boa, com gente fina.
Eu tenho pouco o que fazer, mas meu lazer me ocupa.
Tirem as vendas dos olhos e enxerguem o que vocês quiserem.
E aí?
Sorte de quem me vê bonito, porque conviver comigo, dormir comigo, passear comigo, trabalhar comigo, trepar comigo... é inevitável.
E mais sorte terá ainda, aquela que me aceitar como parte dela, que souber me controlar, me manipular, me seduzir, me conquistar. Essa é esperta, vai entrar e sair da cela, sem que eu tenha que autorizar, não vai marcar hora, nem ligar pra avisar se vai voltar ou se vai dormir noutro lugar.
Sorte DELA!


(Início dos Processos Colaborativos).




domingo, 13 de fevereiro de 2011

TROCANDO DE PELE

Ilustrado por ViviS

Impressionante como foi delicado e demorado o período de preparo para a troca de pele, pois na pele havia ficado gravado por um longo período: sensações, marcas profundas por contatos frequentes, posições, movimentos condicionados, formatos testados e aprovados, finalizações previsívies e poucas iniciativas que desacostumassem a pele de suas conhecidas digitais. 
Trocar a pele, desgrudar, descascar, descamar. Livrar-se completamente da memória tátil e sentir a suavidade da novidade da pele inaugural, a pele recém chegada, a camada lisa e fina sobre a carne, superfície semi-anestesiada, pele vazia, virgem, nunca antes tocada.
Podia-se vê-la branca ou meio rosada. 
E agora, de pele nova, ela experimentava calmamente, nos lábios, na palma da mão e na sola do pé, tatianndo de olhos fechados, o território pouco explorado, o desconhecido, os surpreendentes relevos, odores e sabores que causavam-lhe euforia e êxtase adolescente. Sentia o corpo quente, a nova pele atraia como um imã os compatívies elementos e estabecia  respeitosamente a ordem de chegada dos reagentes.
À flor da pele ela reestabelecia seus critérios de atração e reação, de atuação e de observação e também de escolha justa dos representantes yn e yang de sua vida de iniciante. Queria gravar na pele nova: inesperados abraços, beijos desprogramados, leves toques de dedos, fortes apertos, firmes pulsos, grossa saliva, línguas sobre a pele, a pele das línguas, memórias...
Ela espera estar pronta pra armazenar na casa nova, a lembrança da primeira visita, fotografar sua permanência, alimentar sua presença, recebê-la sem nenhuma referência.
Ela espera, pacientemente, enquanto toma banho com seu cheiroso sabonete, enquanto passa creme, perfume, adstringente e óleos essenciais. Ela espera que sua pele absorva uma pele outra, tão curiosa e atenciosa, quanto sua pele nova. Aguardemos!







terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Diversão | Missiva para Ione Neix Campos

Foto Vi Vis
Divertida menina...foi brincar no carrossel, galopante, girou, girou.
Luzes no parque, fim de tarde, maça do amor, roda gigante, girou, girou.
Riu... que se esbaldou, suou, riu... que até se urinou.
Arrancou os sapatos, babou sorvete no vestido, atirou bala no ursinho, ursinho ridículo! Gargalhou.
Divertida noite, a Monga escapou, a fera avançou, fingiu que se assustou, gritou, gritou.
Foto Vi Vis

Assombrosa madrugada, trem fantasma, monstros, vampiros, lobos querem comer chapéuzinho, ela gritou, gritou.
Adormeceu exausta no banco traseiro do carro, mãos meladas de algodão doce, boca melada de doce, cabelo embaraçado de vento de montanha russa, sujeira nas unhas, borrada pintura, dorme, dorme, dorme transfigurada e sonha ainda com as risadas, sonha que está na praia, na festa, no bar, na confeitaria, no cinema, na cama redonda, no tapete, na banheira, no escuro atrás do muro da igreja.
Sonha com o coral das freiras, com o sino à badalar bem alto, alto o bastante para abafar seu gozo rascante. Acordou molhada, entrou em casa e foi direto pro chuveiro... outro divertidíssimo brinquedo...



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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Desapego


foto Vi Vis
 
Desapegada de tudo, consolou os inconformados que choravam o leite derramado e recebeu do alado mensageiro o mapa da encruzilhada, agradeceu e curiosamente foi ao encontro do remetente.

Ele estava a sua espera com o tridente na mão a ameaçar os condenados, os culpados, os exilados acorrentados, eternamente submetidos aos seus cuidados, pois tratavam-se de homens de pensamentos envelhecidos e de mulheres de sentimentos envaidecidos.

Ela se comportou bem no banco dos réus, jurou dizer a verdade, nada mais que a verdade e disse com coragem que merecia a liberdade, mesmo tendo cometido um crime terrível, mesmo tendo confessado sua participação no assassinato, ela foi convincente junto aos jurados e depois de tê-los consolado, estava finalmente livre pra encarar o chifrudo simpático.

Ele recebeu-a com um abraço, ela então desamarrou os velhos pensamentos, retirou as algemas dos pulsos dos vaidosos sentimentos e convidou-os a dançar ao sol. Dançaram, suaram, riram e mudaram.

Ela também havia mudado, tinha finalmente desapegado do passado, da imagem do crime, da morte dolorosa de sua própria alma torta. Não sentiu falta, e preenchida de novos pensamentos e de humildes sentimentos, harmonizou-se com o tempo que concedeu a ela o equilibrado peso de seu coração com a leve pena da compensação.

Assim começa...