domingo, 8 de maio de 2011

Carta Crua para Paula Baccaro | Sobre fios, avós, rios e nós.


Pode contar pro seu filho que lá no céu as estrelas nos assistem da mesma forma que daqui da terra nós assistimos ao brilho delas. Quando uma estrelinha quer vir morar na terra, ela escolhe um papai e uma mamãe e através de um fio luminoso elas descem, normalmente descem em noites enluaradas, pois ama-se melhor ao luar. Elas viram sementinhas dentro das barrigas das mães escolhidas, nascem, crescem, amadurecem, envelhecem e quando se despedem da vida na terra, voltam pro céu e aguardam o dia de poderem refazer a descida.
Somos estrelas a passeio neste planeta.
Pode contar pro seu filho que a lua está sorrindo porque está crescendo. Que a lua é mais linda quanto mais escura for a noite. Que a noite é feita pra dormir e que a lua é a luz dos sonhos, porque é de noite que silenciamos e é no silêncio que ouvimos os sons dos segredos, dos mistérios, dos lampejos. A lua é feito uma avó que mora no céu e conta histórias para os netos dormirem, a lua quer que fiquemos íntimos de nós mesmos, mesmo quando dividimos nossa intimidade em meio aos festejos, aos pares, nos rituais de acasalamento.
Somos netos da lua e lhe devemos respeito.
Pode contar pro seu filho que as flores murcham, que as folhas caem, que alguns rios secam, que sapos comem insetos, que cobras comem sapos e que homens matam cobras quando se sentem ameaçados, que as coisas findam, acabam, terminam. Que ficamos tristes às vezes, mas que nem sempre o fim é percebido, basta que ele esteja sutilmente inserido dentro do ciclo. Morrer é a natureza de viver e quando uma pérola, um grão, um pólen ou uma gota se encerram, morrem as partes para que se movimente um universo.
Somos plateia e palco da morte, isso é certo.
Pode contar pro seu filho que o único caminho é o que nos leva pra dentro de nós mesmos, é um labirinto, um trajeto repleto de riscos, que exige de nós sacrifícios. De que tipo? Poderá perguntar seu filho, pois sacrifícios podem ser mal compreendidos. Explique a ele que precisamos nos desapegar do que não nos pertence, das mentiras que inventamos, dos modelos que copiamos, dos equívocos que criamos. Diga que será preciso um afastamento, um mergulho em si mesmo, um encontro do qual não se pode ter medo.
Somos feitos para viver em pleno funcionamento, quando o que somos está de acordo com o que queremos.
Pode contar pro seu filho que isso tudo hoje, pra você, fez muito sentido.