domingo, 22 de abril de 2012

a Carta do Corpo | ASCENSÃO EM 21 DE ABRIL DE 2012


Escolheram-se: a Mulher da língua afiada na justa medida da palavra, o Mestre dos corpos e porta voz das muitas falas, a Senhora do carvão com seus livros na mão e a Saia Rodada de tom grave que girava com profunda austeridade.
A ascensão estava anunciada.


Sobre a Mulher da língua afiada

Ela fez uma festa em um lindo palacete construído para ser inaugurado no último dia do seu reinado.
Todos os presentes já sabiam que ela subiria a íngreme escada de ferro.
A vermelha escadaria.
Então fizeram fila para ouvirem as suas palavras de despedida.
Ela foi homenageada com muitas honrarias, com discursos, danças, canções e poesias.
Ela provocou o inesperado, riu e gargalhou com tudo que deu errado, ridicularizou o pudor, aplaudiu o fogo e pediu que vaiassem até que o fracasso enfim terminasse.
Ascendeu despedindo-se da matéria. Ela doou para leilão seus colares, suas pulseiras, seus anéis. Leiloou sua voz. Deu de presente seu corpo e seu coração.
Deixou todo o barulho dos seus gritos, deixou seu nariz de palhaço, deixou sua expressão livre.
Sua língua afiada virou tinta, tecido, plástico, ferro, madeira. 
Sua língua afiada virou teatro, dança, cinema.
Sua língua afiada virou arte e escorre pelas paredes verdes de seu palacete.
Quem quiser ouvir agora a justa medida das suas palavras, terá que ser livre o bastante para desfilar em praça pública de maiô, com a bunda suja de cocô e com a merda a escorrer pelas pernas.
Terá que ser livre o bastante para se expor sem temer o vexame.
Terá que ser livre, minimamente livre, para fazer da existência uma experiência VERDADEIRA.



Sobre o Mestre dos corpos.

Ele riu do esquecimento para não virar ressentimento.
Poderia lamentar, mas preferiu trabalhar.
Ascendeu para um novo dia e sabiamente fez o que já fazia.
Ele sabe que o que mudou foi a qualidade da hora, mas que o tempo continua sendo o mesmo.



Sobre a Senhora do carvão.

quero em sonho ver tua mão pintada de carvão sobre minha face pálida.
quero te emprestar minha caneta para escreveres nas minhas costas as palavras que mais gostas.
por que nas costas?
para que eu tenha que pedir aos outros que leiam em voz alta.
quero que os outros leiam onde meus olhos não alcançam.



Sobre a Saia Rodada de voz grave.

Um trono nunca poderá ficar vazio.
...
Então disse uma sábia mulher do povo:
"Não tenho inveja do seu poder porque eu tenho o meu"
Seja bem-vindo o novo PODER.

Que a ascensão seja para todos!!!

segunda-feira, 2 de abril de 2012

a Carta do Corpo | o punho e a apunhalada

Todas prontas para o passeio.


O Miolo da Missiva emprestou palavras ao corpo.
E com os nossos olhares atentos ao que o corpo construiu, vamos desconstruir e refazer o caminho.
Que prazer jogar com "Elas".
Juntas formamos a seguinte frase:

Temos os joelhos levemente flexionados, um pescoço interessado, os braços, como asas, nos fazem flutuar sobre as águas, nossos dedos das mãos tocam a língua, dedos umedecidos viram as páginas dos livros, nossas pernas são fortes como as de uma égua, cavalgamos livremente rumo ao nosso fantástico inconsciente.

Joelhos, pescoço, braços, dedos das mãos, língua e pernas...

Fernanda Nocam por Viviane Fracari
Eremita, Temperança, Papisa, Carro.

As mulheres são protagonistas das nossas pesquisas.
"Elas".
Esta carta de hoje dedico as mais velhas, as pacientes, as sábias, as que foram encorajadas a cavalgarem para trás, a cavalgarem para dentro, para a casa antiga, para a velha Vila das Meninas.

Só as mais velhas têm memórias tão longínquas, só Elas lembram de coisas esquecidas.

Às vezes em sonhos são transportadas para suas mais escuras moradas, cavernas, grutas, garagens cheias de óleo, galpões vazios, terrenos baldios. Meninas jamais deveriam transitar por espaços que não fossem arejados, iluminados, ensolarados.

O carro de passeio pode nos levar ao passado, ele pode ser uma carruagem que nos conduz pelas linhas da palma da mão. 

Somos passageiras numa viagem sem destino?

O que diria a cigana ao olhar nossas mãos, ao ler nossas cartas?

Ela diria: “Teu corpo é tua casa, se teu punho estiver dolorido, experimente bater na porta, talvez esteja a doer tua vontade de bater, talvez esteja a doer tua vontade de entrar sem bater, talvez esteja a doer, pois já é chegada a hora de soltar a corda, de parar de segurar com tanta força as mãos do teu protetor, solta e cai, solta e vai, solta, porque o que seguras já não existe mais. Entra na tua casa, tu vais subir as escadas, vais ver as migalhas sobre a cama, vai ver que aquele que está lá embaixo na sala é o mesmo que está lá encima nos quartos, são todos o mesmo retrato, todos não estão mais ao seu lado, todos te abandonaram, ficaste sozinha na tua casinha, teu corpo refeito, perfeito, saudável...  teu corpo te diz através do espelho que essa mulher que está aí fora é mesma que mora aí dentro. Se cuidares deste templo terás uma deusa no altar do teu peito"

Bons presságios...

Só as mais velhas podem entender a previsão do passado, pois o futuro é o passado que ainda não foi revisitado. Ainda é tempo de passear pelo futuro. Sejam bem-vindas as meninas das MISSIVAS!