sábado, 17 de agosto de 2013

POSTAIS | Emenda - Para Eduardo Bartolomeu

Que menino bem arrumado.
Sim, ele está bem arrumado!!!
Sem as calças. Quer sair por aí só de cueca.
Sua tia não deixa, sua irmã morre de vergonha.
Então, ele se tranca no quarto, faz birra, reclama.
Quer sair com o casaco novo e com a cueca, que também é nova, e é bela.
Vai sair escondido pela janela.
A janela é alta, a casa é assobradada.
Ele pula, se esborracha no chão, quebra a jardineira, bate a cabeça, o galo canta e assusta a vizinhança.
Prende o choro e solta os cachorros.
Rasgou a cueca, vai remendar.
Vai colar os cacos da jardineira de barro e replantar as camélias.
Vai se desculpar com os vizinhos pelos latidos vulgares de sua fúria.
Vai colocar cubos de gelo na crista do galo.
Vai baixar a crista.
Vai passar os dias se ocupando em restaurar o impulso de pular.
Depois de seu resguardo, veste novamente o casaco, olha-se no espelho e se espanta ao ver os pelos crescidos em suas pernas.
O remendo da cueca é cicatriz na virilha que o tempo esconde por debaixo dos pelos.
Que homem bem arrumado.
Veste as calças, pede a benção da tia, abraça a irmã e sai pela porta da frente.
Ele tem um encontro com sua namorada e não quer chegar atrasado.

TEXTO INSPIRADO NA SEQUÊNCIA: O ENAMORADO - A CASA DE DEUS - A TEMPERANÇA - O CARRO.


POSTAIS | Palatável - Para Jany Canela


Tão interessada nas receitas.
Lia todas.
Sabia-as de cor.
A quantidade de xícaras, as medidas, colheres de sopa ou de café.
Quantos ovos...
O tempo de preparo.
O ponto.
Sabia de cor o ponto. 
Nunca tinha feito nenhum bolo, mas conhecia as receitas na ponta de língua.
Belo dia resolveu ir para cozinha, vestiu o avental e colocou em prática seu vasto conhecimento.
Queimou bolos, cortou o dedo, explodiu a panela de pressão, quebrou pratos, desandou massas.
E de tanto desandar de lá para cá pela cozinha, aprendeu a cozinhar.
Passou a criar, inventou sabores e subverteu os procedimentos.
Pensou em escrever seu próprio livro de receitas, mas se desinteressou, dispensou...
Achou melhor compartilhar seu saber à mesa.
Convidou os vizinhos, os parentes, os amigos e também uns desconhecidos.
Pouco a pouco sua comida caiu no agrado de todos.
Caiu na ponta da língua, nos lábios, no céu da boca, na boca do estômago.
Satisfeita em dividir nos pratos as quantidades justas de sua fartura, releu as receitas. 
E foi como se nunca as tivesse lido.
Pareciam-lhe inéditas.

TEXTO INSPIRADO NA SEQUÊNCIA: PAPISA - MAGO - IMPERATRIZ - JUSTIÇA.