quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O Salto Mortal


A mudança nunca termina. Ela se reorganiza. De malas feitas, disse adeus ao indomável instinto e ao incontrolável poder. Foi brincar de não ser, foi brincar de não fazer de conta, de simplesmente estar coerente com seu inumerável lugar na arquibancada do circo. Ela podia se sentar em qualquer cadeira, ela podia reivindicar o banco ocupado por outro expectador desinformado, podia exigir que antes já lhe tivessem reservado uma poltrona no camarote das loucas. Mas preferiu sentar no chão, bem perto do tablado, bem próxima aos palhaços, bem atenta ao truque dos mágicos, bem surpreendida pelo atirador de facas, pelos leões, os macacos, os elefantes, os engolidores de espadas e os voadores trapezistas, pelos malabaristas e também por sua querida amiga equilibrista. Sentou-se no chão, comeu pipoca, algodão doce, maça do amor e levou consigo uma foto num binóclinho, onde podia-se ver o instante exato em que ela morria de rir com o tombo do palhaço. Estava de mudança e tinha que seguir viagem, deixando pra trás a pequenina cidade, a última página escrita, a despedida. Mudou e se deparou com o mortal tempo das coisas. Chorou muito, chorou porque acabou, chorou porque enterrou, chorou porque a morte é forte e jamais se resiste a ela. Agora era chegada a hora de se entregar e confiar na  promessa de vida que havia em outras vilas, em outros quintais, sacadas, portais. O quê a deixava em paz era a certeza de que o circo corria o mundo, e que dalí a um segundo os alto-falantes anunciariam a chegada do Grande Circo Vivo na praça onde agora ela morava.

sábado, 25 de dezembro de 2010

na intimidade do quarto Dela

A senhora do tempo e vento deixou  que a lua iluminasse a noite escura. Foi uma noite festejada com o riso da molecada, com a brisa das boas palavras, com as canções que embalam filhos, casais e boêmios eventuais. Já sabíamos que um ciclo seria concluído, foram feitos muitos pedidos de fé, piedade, muitos suplícios. Os pedidos foram sendo atendidos, um por um, de acordo com a prioridade das chaves que abririam as portas, que dariam para outras portas e depois outras, até que se chegasse a porta do quarto de dormir. Neste aposento os pedidos podiam ser atendidos, mas para isso, o sono e a vigília teriam de conviver no mesmo tempo e espaço, o quê sabemos tratar-se de algo raro, mágico, pouco provável. No entanto temos notícias através das missivas, que os pedidos se realizam, num plano invisível e que a última súplica demorou a chegar, pois inúmeras portas tiveram de ser abertas até que se chegasse ao quarto Dela, o quarto onde eternamente está  a Guardiã dos sonhos acordados, dos sonhos avisados, das anunciações, das revelações. Pois bem, é Ela que determina a quantidade de areia das ampulhetas, o giro do ponteiro na esfera do destino. E se confiarmos na sua experiência de enxergar quando as pálpebras se põem a baixar, de apontar caminhos exatamente no instante em que perdemos os sentidos, ela nos mostrará o espelho onde se pode ver o rosto verdadeiro. Podemos nos ver de corpo inteiro, dançarinos nus, satisfeitos com a plenitude dos nossos desejos. Livres, destemidos, desculpados, desavergonhados. O pedido será atendido no momento exato e sabe-se que já está sendo confeccionado na roca dos amores, na intimidade do quarto Dela.
A porta foi aberta... 

sábado, 18 de dezembro de 2010

despudor dos arcanjos

Muito simples. O moinho gira com a força contínua da água.
As águas rolam, rodam. A natureza se movimenta, o vazio se ocupa e o copo cheio transborda, deságua.
E lá está ela com vontade de rodar as saias, de dançar de rosto colado um bolero depravado.
Desencontrados aguardam em quartos separados e improvisados. Aguardam nas suas casas emprestadas, nas suas camas desarrumadas. Aguardam a permissão do acaso para viverem o que já foi combinado secretamente pelos anjos despudorados. Ah...esses anjos que gostam de voar pelados!

domingo, 12 de dezembro de 2010

BOQUIABERTA

Vou tentar resumir.
Olhou-se no espelho, viu-se nua. Ficou segura, gostou das curvas,da cintura e da bunda.
Vestiu-se com as saias da irmã do meio, com a blusa da irmã mais nova e calçou os sapatos da mais velha.
Converteu em graça e elegância sua ânsia de chegar, chegar antes, chegar logo. Chegou, mas só depois que a chuva cessou. Ele olhou pra ela, viu primeiro suas pernas, depois suas mãos e por último ouviu suas memórias. Mostrou-lhe suas idéias, tão livres e boas quanto as dela. Ficaram ambos encantados, cada um fez seu pequeno agrado. Se abraçaram, se afastaram, mas adorariam terem sido mais ousados para realizar na carne o que só se permitiriam realizar no espaço entre céu e mar. Beijaram-se em sonho e acordados planejam um reencontro desconcertante, um encontro marcado no sagrado tempo infinito.Eles alimentarão os instintos. Ela acalmará a fera e ele colocará a comida na boca dela. E fim.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

a dúvida

Era lua cheia, ao norte, luz, à leste, a janela que dava pro jardim, ao sul, os três patetas e à oeste, o quadrado fixado na parede. Meditação ativa.
O renascimento sofreu um adiamento por conta de uma dúvida desnecessária: Ser ou não flechada? Que dúvida?
Se é pra nascer de novo, então que seja em grande estilo. Preparem para ela um vestido bonito, tirem as medidas, comprem o tecido, pois as duas costureiras já estão de agulha e linha na mão.
A flecha será certeira, já temos igreja, salão de festa e de beleza, convites, champanhe e bolo com cerejas. Mandaram avisar o padre, já está confirmado.
Depois de tanta devoção, de tanta celebração, de tanto joelho no chão, ela teve a revelação, daí sofreu um escorregão, teve um ataque de bobeira, caiu de novo na choradeira. Tudo por causa da incerteza, do medo de ser de novo ela mesma. Pois bem, agora chega!
É hora de abrir  um sorriso, atravessar o portal e vir pro mundo real.
Está tudo preparado pra ela, só não pode duvidar. No mundo real, quem duvida não realiza. Vem minha filha, vem que tá todo mundo te esperando...

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Meu filho, não vai no fundo, que o mar hoje está bravo!

No centro do palco a grande Mãe: Poder e Paciência.
Uma gestação é lenta...
Sem me aborrecer, sem me ferir, sem temer, sem precisar reagir.
Eu estou no centro, na perna direita: a astúcia, a malandragem e um certo deboche de quem se sacode.
Eu estou no eixo, na perna esquerda: a leveza, a suavidade e um certo ar confiante de quem se locomove.
Avante! Exército triunfante! Desarmado exército, munido de afeto, de intuição, de fluidez e sedução.
Estou em ação, meu movimento está na visão, vejo longe, com modéstia, meus olhos em deslocamento enxergam meu território inteiro.
Território livre, sem fronteiras, sem trincheiras, sem bárbaros e invasores.
Aguardamos pacientemente a proclamação da feliciadade.
Festejamos antecipadamente nossa idolatrada data descomemorada.
A mãe pode no amor, ama em poder.
A mãe espera o tempo que for e é também a esperada temporada.
Pode ser o verão, uma Grande Mãe do Verão, com um leque na mão, um grande chapéu de sol, um vestido de cambráia, óculos escuro, borrifador, bloqueador solar. Ela está gritando à beira mar com seus filhos que estão a brincar nas ondas. Ela tem medo da maré, mas confia e encoraja sua cria, que sabe se benzer antes de entrar no mar, que sabe nadar, que sabe, que ela está alí, deslumbrante, em seu traje de madame, mas se precisar se jogar pra desafogar um filho engolido por Netuno, ela arranca tudo e num braço só traz à tona o filho, traz o fôlego, o pulso, a vida.
No centro da cena está a atenta e divertida Mãe do calçadão, do chinelinho de dedo, do sorvete, do milho verde, da canga, do guarda-sol, da caipirinha de abacaxi, da bicicleta, do biquíni, do maiô, do amendoim, da esteira de vime, do castelo de areia, do pôr-do-sol, do repelente, do nariz vermelho, do calor, do calor...

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Vênus não te quer aqui. Pra fora!

Eu quero que você volte para o seu lugar e quando eu precisar de você, eu te chamo.
Eu não quero resolver as coisas na base da maldade.
Eu não quero que você atue em mim.
Não sou mais compativel com sua vontade.
Minha Vênus quer se relacionar com o mundo através do ingênuo, do alegre, do brincante, do companheiro e amante engraçado e inspirado a deixar que eu viva em liberdade.
Você não me obedeceu, me mordeu, me violentou, invadiu meu sonho, me fez perder o sono.
Não se atreva a aparecer de novo. Gosto de você, mas quanto ao amor, você está para sempre dispensado.
Lugar de enchapelado é em briga de galo, em boteco engordurado ou na casa da mãe Joana. Se manda, se manca!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Arrogante, eu?

Elas conversaram a noite inteira, em noite de lua alta, orvalhada, lágrimas de lua sobre as calçadas.
Estavam preocupadas com a situação desesperada, com a profunda imersão que uniu num só momento o silêncio, o isolamento, a introspecção, a subjetiva sensação. Preocupadas com a recuperação diante de tamanha destruição, conversaram muito, consultaram livros, sabiam sobre os riscos de tal mergulho, quase um suicídio, um terrível estrangulamento irreversível. Talvez tenha mesmo sido. O fim de um castigo.
E foi, o fim... Pergutaram à ela, se ela já havia pensado no assunto, se estava certa de sua decisão, se tinha levado todos os lados em consideração. Pediram para que ela pensasse novamente, que revisse, que voltasse atrás, que tivesse compaixão, que fosse razoável na determinação. Pensou. E lembrou que a meses estava sentada num banquinho desconfortável justamente a pensar. "Agora você vai ficar sentada aí pensando em tudo o que você fez, menina malcriada, menina levada, menina mimada..." Há meses estava condenada ao banquinho onde colocaram-na sentada, ficou a pensar por horas, dias, semanas, meses... E depois de muito pensar e orar e rezar e orar e rezar e orar e rezar pedindo perdão pelos seus atos, pedindo a remissão dos pecados, pedindo água, sono, pão e o fim daquela punição. Ela foi atendida, chegaram então elas, as duas deusas avessas, uma a gargalhar e outra a chorar, uma disposta a pegá-la no colo e outra exigindo que ela saisse dalí por conta própria, que simplesmente levantasse e saísse, que mandasse todas a merda, que mandasse todos pro inferno, chutasse o banquinho longe, e junto com ele todos os pensamentos que há meses torturavam sua mente. A outra complacente, chorava torrencialmente, deu-lhe um beijo, um abraço e num gesto suave conduziu-a até a saída, longe do castigo, longe dos gemidos, das torturas, dos maus-tratos, pois sabiam elas que, a menina era bela, gentil, amável, sincera, generosa e que agora deveria ser justa com ela mesma, com suas verdades, com suas crenças, com seus desejos, com suas DEUSAS. Parou de pensar e agiu imediatamente, sob a protenção da Senhora do Mar e da Cigana de Marabô. Elas orientaram suas ações, sabiam de todas as reações, cuidaram pra que ela não caísse, pra que que ela resistisse, pra que não se curvasse mais uma vez frente a humilhação de ser julgada, crucificada e acusada cruelmente por não ter preparado a sopa e por não ter limpado com com satisfação a merda do cão. Todo os resto de sua dedicação foi em vão, tudo que ela chamou de amor, não passou de obrigação, de um esforço feito sem nenhuma recompensa, sem beijo de reconhecimento, sem afago de agradecimento. Foda-se seus sentimentos. "Sente-se no banquinho e pense no seu fracasso, na incompetência da companheira preguiçosa, desplicente, mal humorada,  de cara amarrada, contrariada, infeliz e descuidada. Pensou?"
Pensei e cheguei a seguinte conclusão: O banquinho está vago, coloque quem você quiser no meu lugar, cansei de pensar, cansei do castigo, cansei desse banquinho. Rainhas estão habituadas aos tronos. E eu estou sentada no meu. Confortavelmente sentada.

domingo, 7 de novembro de 2010

no ventre do novo mundo

Há mais razão na paixão que na escolha de ficar em suspensão.
Há mais emoção no ganha-pão que na desvairada aventura da contravenção.
Há mais razão no descontrolado movimento que na segurança de ficar ileso.
Há mais emoção no controle da situação que na loucura sem expressão.
Há mais razão em mergulhar no escuro que no clarão que cega a visão do invisível mundo.
Há mais emoção em vislumbrar a sorte que percorrer a trilha incerta, se deparar com a morte.
Há mais razão no silêncio solitário do abismo proclamado,
que na companhia ingrata que mantém a vítima conformada.
Há mais emoção no perfil solene do digno sobrevivente,
que na febre ardente, do delírio demente, sorridente, do emergente.





É na conquista do novo mundo que piso o chão e caio das nuvens, que abro os olhos e fecho a boca, que abro a boca e fecho os olhos. E da água ganho um beijo. Do ar, ganho um suspiro profundo, lento. Do fogo, ganho uma mordida bem gostosa na virilha. E da terra, ganho um ventre acordado, vivo, fértil, criativo.







O mundo novo é meu, estou invadindo meu corpo com minha alma, entro sem bater, agarro com força, separo as coxas e gozo a vida satisfeita com a oferenda que ela preparou pra mim. Que seja assim...









terça-feira, 2 de novembro de 2010

Banho de Rosas Amarelas | texto de Adriana Azenha e fotos de Viviane Fracari | Atrizes: Camila Bevilacqua, Silvia Fuller, Juliana Passos e Fernanda Nocam.





Ela vai preparar um banho de cheiro para a menina e seus sentimentos.
Os sentimentos estão sedentos de água e unguentos.
Estão mostrando os dentes, os sentimentos doentes.



Estão uivando na noite, assombrando a menina que, sozinha não consegue dormir.
Os sentimentos serão lavados e o ranger dos dentes e os assombros da noite desaparecerão, com águas, as mágoas serão levadas.
A menina ficará sob a proteção de sua mãe.
Depois do banho, um descanso, um sorriso, um vestido bonito.





Durante o banho uma canção na voz de sua mãe, ora ieiê ô, sua mãe chorou pra ela deixar de chorar.
Ela sairá do lugar triste onde está, não vai mais apanhar, nem levar bronca, ninguém mais vai lhe castigar.
Sua mãe vai segurar-lhe a mão, vai deitá-la em seu colo, vai acariciar seus cabelos e depois dar-lhe um beijo.
 A menina vai dançar, brincar, rir, se divertir e nunca mais, vai deixar nenhum mal lhe atingir.

domingo, 31 de outubro de 2010

COMERAM-SE

                                                                                                                                                      
Foto Viviane Fracari

Um longo encontro, um encontro marcado no tempo ancestral.
O encontro demorou a acontecer, pois levou muito tempo para aliviar o peso, a dor e cicatrizar a ferida causada pela ventania que destelhou as casas.
Ficaram ambas desabrigadas,  nenhuma das duas foram avisadas de que passavam, cada uma no seu espaço, um terrível desequilíbrio que, desencadearia uma transformação no rumo traçado dos passos dados por elas, passos parecidos, sofridos, porém necessários para o avanço no aprendizado. 
Agora se encontraram, riram muito, choraram, se embebedaram, trocaram confissões, desabafos, mágoas, cansaços. Rasgaram a madrugada vasculhando os profundos e subterrâneos mistérios da alma.
Se espelharam na beleza do idêntico. Gêmeas, porém com energias avessas, invertidas para se encaixarem sob medida. E foi no dia da ventania que o espelho refletiu a ira, uma fúria frente a outra, o espelho quebrou, não podiam vibrar se não fosse em oposição, jamais atuar sob a mesma vibração.
Completas no abraço da tolerância com o arrogância, da quietude com a palavra rude, da paciência com a violência, da fome com a vontade de comer... uma à outra, pois como diria Clarice Lispector, saudade a gente só mata quando come a pessoa.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O Conflito Final | Humildimente: Eu e meu pai Oxalá somos UM

Diminuir, diminuir, diminuir, diminuir.
De pé sobre o palanque ou de joelhos aos pés do Hierofante?
De coroa na cabeça ou de chapéu na mão pedindo a benção?
O formoso príncipe em sua carruagem ou um súdito implorando piedade?
Um herói triunfante ou um humilde retirante?
Deus ou Eu?
Eu ou Deus?
Nós.
Fim do terceiro e último ato.
Sou movimento equilibrado, nas curvas reduzo, nas retas me aventuro.
Oxalá me aconselhou a aceitar com amor a liberdade de poder seguir em viagem, confiando na novidade, na possibiliade. "Enquanto sua filha faz o possível,  pai Oxalá improvisa o impossível".

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O Conflito | Segundo Ato

Foi bom, ela alimentou a intuição com um pedaço de miolo de pão,
após ter realizado com precisão a difícil missão:
Dizer calmamente frases que, sob à luz do dia, nunca são ditas.
Disse com alguma economia, sendo seletiva e consciente do tom grave da devolutiva.
Cara a cara, a dura transparência frente a defesa autêntica;
se enfrentaram com beleza, pareciam estar de brincadeira, cócegas, pega-pega, cabra-cega.
Quem visse de longe, jamais imaginaria, que alí, houvesse uma briga.
Porém brigaram, até sangraram, mas ninguém chorou, foram valentes no quesito resistência.
O terceiro olho piscou pro escancarado sorriso iluminado.
Fim do segundo ato, dormem felizes os combatentes guerreiros.
Um grande, inteiro e o outro completo, em paz com o verso e o reverso.

sábado, 23 de outubro de 2010

O Conflito | Primeiro Ato

Trazer à tona, tornar visível o verdadeiro princípio. Coragem...
De um lado o saber inato, a intuição, a ação involuntária.
Do outro lado o saber desejado, o querer, a ação planejada.
Os dois lados se olham, se encaram.
O natural de escudo na mão.
O sábio com seu lampião.
Saber na escuridão é como saber e não ter o quê fazer.
O natural não quer mais se defender, deixa o clarão esclarecer.
Fim do conflito, o invisível emerge da sombra, o natural organiza os sentidos e constrói com a ajuda do sabido, do escolhido, um sonho possível, o atingível. O real sem os disfarces do inimigo. 

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

O DESEJO DE TODOS

Segurou o leão à força e antes que ele a devorasse, silenciou nela o rugido feroz que ecoava dentro de sua alma contrariada. Silêncio...O leão cedeu ao abraço, morreu um duplo cansaço, o cansaço da fúria e o cansaço do interminável. Desejamos todos que daqui pra frente o embate seja diferente, que ela não precise nunca mais se desculpar e que ele possa rugir feliz noutro lugar.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Fartas Ideias

Trouxe muitas ideias na sacola, colocou-as sobre a mesa, aproveitou quase todas.
Preparou com as ideias uma refeição completa.
Então comeram, ficaram todos satisfeitos.
Lavou a louça, tirou a toalha da mesa e serviu os doces na varanda.
As ideias estavam frescas, comeram de joelhos.
E só foram embora depois do café.
Pois foi o tempo que precisaram para digerirem as ideias.
Eram frescas, saborosas, mas provocavam uma alegria louca, uma euforia boba...
Por isso é que de tempo em tempo, ela colhia ideias e preparava-as para serem servidas com fartura e festa nos aposentos da casa dela.
Temporada de ideias no pomar da Dna Adélia.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Em Agradecimento

Morta. Enterrada. Vestiram-na com a roupa que ela mais gostava.
Estava muito branca, Pintaram-lhe a cara. Dormiu exausta e levou junto ao seu sono o desenganado tempo vivido, mas que sabia ela, ter sido tudo aquilo parte de um compromisso. Viveu comprometida com a vontade que tinha de amar. E amou até o último suspiro, cumpriu seu compromisso. Até alí,  viveu o que tinha de ser vivido. Um amor que se acabou, que partiu para dar lugar a outro que estaria ainda por chegar.

Em outro tempo acordaria tão viva, tão corada e descansada. Começaria então uma nova jornada.

Não lembraria de nada...Não lembraria mais da dor que sentiu no peito no momento em que seu coração se viu obrigado a parar de bater, pois batia em vão, suas batidas já não tinham razão de assistir, de pulsarem naquela direção. Abriu mão do seu amor, sacrificou...Foi tanta dor. Por isso ela será poupada de reviver toda essa mágoa, não lembrará de nada. Acordará feliz e apaixonada.

Abrirá a janela, irá arrumar a cama, lavar o rosto, tomar café e agradecer, sem perceber, à morte, por ter lhe concedido ainda em vida a possibilidade de nascer de novo e ainda por cima, mais bonita.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O Amor da Angélica Temperança pelo Enforcado Cabeça de Nabo

Ela suspirava sempre que ouvia uma canção. A música vinha de longe, parecia o som de um velho violoncelo. Seu coração ficava apertado, ela imaginava que mãos eram aquelas que comprimiam as cordas, dedos e cordas e um arco a arrancar espasmos tensos de tal instrumento. Suspirava...e na sua tarefa diária de temperar o intenso e por vezes o desanimado tempo, para chegar ao equilíbrio do lago sereno, distraída, abandonou os jarros e seguiu a vibração até chegar ao local de onde vinha o som. Hipnotizada adentrou a casa e viu ao espiar pela porta da sala um homem sentado, tinha uma cabeça de nabo, um pé amarrado à uma corda e cresciam ao seu lado, uma à esquerda e outra à direita, duas árvores de cerejeiras, estavam recém podadas e de seus galhos ainda escorriam sangue e seiva, lágrimas de cerejeiras. Ele não notou sua presença, continuou tocando, tocando. À certa altura cochilaram ambos, ele abraçado ao chello e ela encostada na parede gelada do corredor que dava para sala. Acordou assustada, pois sentiu sua roupa molhada, notou que a casa estava inundada, a água já chegara aos tornozelos. Ergueu o vestido comprido e já ia saindo quando lembrou-se da música, resolveu espiar novamente a sala e lá estava o violoncelo envergado a boiar na água e ele dependurado de cabeça para baixo e com as mãos atadas. Parecia estar sorrindo e dançando. Ela quis se aproximar, pensou em ajudar, pois se água continuasse a subir ele logo se afogaria, mergulharia sua cabeça de nabo na água fria que rápida subia inflando o vestido dela, resfriando suas pernas. A mobília toda à flutuar. Ela agarrou-se a cerejeira, subiu nos galhos podados como se subisse uma escada, sentiu nos pés e nas mãos a grudenta seiva. Estava ela trepada na cerejeira que estava à esquerda do dependurado, tentou alcançar a corda para desatar o nó do pé, apenas um pé estava amarrado, o outro livre lembrava o movimento de um dançarino de polka. Quando finalmente ela conseguiu chegar até a corda ele gritou " Por favor não solta!". Ela se assustou, desequilibrou e caiu de costas na água que já banhava os cabelos do tal prisioneiro. Por alguns instantes ela ficou a boiar agarrada ao violoncelo. Parecia uma náufraga sustentada por uma tora de madeira sendo levada pela correnteza em direção a queda livre da cachoeira. Lembrou-se dos jarros e do destempero de tê-los abandonado, eles derramaram um oceano de um mar acumulado, salgado. O destemperado mar que ela deixou para trás ao sair em busca da música. Com as asas molhadas, pesadas, encharcadas, tentou voar para botar no lugar o fluxo inesgotável das águas, pois a essa altura já haviam consumido até a cintura o submerso Enforcado, agora afundado com sua cabeça de nabo a criar raiz no imenso oceano. Quando só se podia ver na superfície, apenas o pé esquerdo ainda preso à viga de madeira fixada sobre as cerejeiras, ela recuperou seus jarros e sobrevoou em desespero a casa inundada, adentrou a sala num vão estreito entre o teto e a água, desatou o nó e libertou o dançarino para que ele dançasse com os golfinhos, os cardumes e as sereias. Em algum lugar no fundo do mar, ele esculpiu os corais, esticou as algas e fez surgir um violoncelo. Vive feliz a tocar, a reger, a bailar, transformou o mar em música, são poucos capazes de escutar. Ela escuta. Quando cansada de uma longa caminhada, sempre precisa de um poço pra beber água e enquanto ergue o balde de ferro com a manivela, ela pode ouvir a música  no fundo do poço, no balde, na caneca, dentro de sua boca, na saliva que umidece sua garganta. Ela engole a música, mata a sede, segue em frente, mais contente. Sabe que o amor que tem por ele é nutriente para sua inspiração, para trilhar seu livre caminho, vivido passo a passo e com muita paixão.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Exclamou a Princesinha

E se eu acreditar na insanidade infantil que brinca de amarelinha, um pé, dois pés, pisa o céu, salta o inferno dentro da minha cabeça de menina.
A menina maluquinha esta sempre fazendo arte na cozinha, no quintal, na rua, na casa da vizinha.


Gosto da loucura infantil, a loucura do palhaço que apronta e desapronta, mas nunca leva bronca, pois no fim das contas, sorte de quem viu, ouviu e riu com sua loucura fanfarrônica, bufônica de uma mestre de cerimônias sem nenhuma cerimônia.
A menina que solta pum, senta de perna aberta, tira catota do nariz, gruda debaixo da mesa e depois arrota feito uma princesa.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

eu sou.

Eu imagino viver cada canto do meu espanto para me deslumbrar no entanto com a imagem que tenho de meu espelho um tanto quanto sereno. Eu me imagino sendo.

ENCONTRO MARCADO

Depois da destruição, da queda, da chuva de pedras, do vendaval, das fracturas, da morte prematura. Ela abraçou a loucura e, sem dúvida alguma, juntou seus pertences e seguiu em frente. Passo largo, dor no braço, cansaço e também alguns calos na mão que segurava o cajado, com ele, podia prever os obstáculos, espantar serpentes, abrir caminhos,traçar o percurso do novo rumo...E entre ser uma velha menina ou uma jovem sabida, fez ela a escolha merecida. Sentada de pernas cruzadas com suas anotações feitas em um caderno secreto recebeu a visita de um homem honesto que a ajudou a entender o enredo nas entrelinhas dos seus textos. Ele iluminou seu semblante e ela criou naquele instante a mais bela história de amor, nunca vista antes.

PROCURADA

Foto: Viviane Fracari | Atriz: Camila Bevilacqua

Perfume, baton, cinturinha, pele macia, calcinha pequenina, sutiã de rendinha, linda, cabelo dourado, chinelinho, brinco e colar, unha francesinha e brilhante no anelar, vestido turquesa, olhos verdes, sorriso sincero, gargalhada de menina levada, simpática, engraçada, falante voz aveludada, quando mimada, solta um alto grito impositivo para ver realizada sua vontade imperial, pois no seu mundo real, o poder é dela, da linda e coroada mulher de asas, mulher alada.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

quarto de hotel ou primavera 2010

Rápido, contínuo movimento do corpo dentro do espaço dilatado do fundo da terra. Clamam todos pelo rebento. Sopra o vento, o vácuo encontra a explosão, vem o barulho do trovão. Vem também ela cheia de gratidão pela oportuna chance de viver e aprender a humilde tarefa de ser de novo um nada. Nada, vazio, começo, uma criança num berço a brincar com um móbile, a vida se move e nossos olhos correm para alcança-la. Diante do olhar pisca-pisca a vista, pálpebra, vigília (...)

Tantas estrelas sobre minha cabeça, tanta chuva de cachoeira, meus pés na pedra, correnteza. Que canto  suave, o canto da sereia. Nudez aguardando o chamado, o recado do pássaro preto avisando que a flor desabrochou, que a primavera chegou. Enxugo o corpo, penteio os cabelos, me deito. Sou terra fértil explodindo em cor. A festa da minha chegada. O amor. (...)

Derramava sobre as casas a garoa fina da noite nublada. No silêncio que morava atrás do descanso das janelas fechadas surge o perigo de ver eternamente mergulhado num lago, o tesouro afundado. Ladraram
os cães anunciando que uma mulher de escafandro adentrou a água escura e trouxe à superfície turva um baú. Um baú lacrado. Preferiu não abrir, deixou-o muito bem guardado por exatos dez dias. Precisava primeiramente despedir-se de um remorso antes de tomar posse do conteúdo raro que ficou por tanto tempo afastado do conhecimento sensivelmente humano. Depois de purificadas as mágoas, sentiu-se pronta para apropriar-se dos enigmas do mundo submerso. (...)

sábado, 18 de setembro de 2010

carro de passeio

Então ele abriu a porta do carro para ela entrar, pois bem...
Ela recusou, disse que preferia ir à pé.
Então ele estacionou, desceu do carro e disse:
"Pois que seja, de qualquer maneira irei acompanhá-la".
A caminhada foi descomprometida, seguiram à pé pela avenida.
O carro ficou parado aguardando o retorno dos enamorados.
Voltaram tarde, cansados. Ela mais sóbria, ele mais embriagado.
Sendo assim resolveu aceitar a carona, desde que fosse ele o passageiro e ela a condutora.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Hoje Não

Foto de Viviane Fracari


Hoje eu não consigo. O mundo é grande, eu pequenina, minha estrada é bem comprida, fiquei com preguiça de começar, estou muito triste pra poder criar, inventar, fazer surgir da cartola um coelho, ou soltar uma pomba entre lenços. Estou pronta pra renascer, mas antes eu preciso morrer. E morrer dói. Hoje eu não consigo, não vou fazer meu número de mágicas, vou recolher a bancada e voltar pra casa. Amanhã quem sabe...

terça-feira, 14 de setembro de 2010

PREVISÃO

Um dia antes de conquistar o território novo, tive que eliminar algumas pendências, mas fiz tudo com prazer.
Fiz um acordo com um antigo incomodo e combinei uma lavagem na escadaria das minhas lamentações.
Para isso preparei um figurino, ou melhor dois: um de guerreira e outro de esvoaçante rapariga faceira.
Fiquei pronta pra adentrar o mundo desconhecido onde fui elevada com louvor à uma posição privilegiada.
Então cercada de gente admirada com minha regenerada aparição. Vivi um dia de grande alegria e comoção.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

com a rosa vermelha nos cabelos

Depois de ter tirado o essencial de dentro da casa.
O tempo veio lhe cobrar outra tarefa.
Retirar sem pressa, mas com detalhes, tudo o que ainda restara de identidade.
Remover as marcas, as manchas. Tirar a poeira e dar água as plantas.
Ela então vestiu seu avental e calçou os chinelos. Como não gostava de parecer desleixada,
roubou uma rosa vermelha do canteiro e colocou-a nos cabelos.
Ficou linda, mais parecia a borralheira, que nem envolta em trapos ficava feia.
Fez toda a limpeza, jogou a tralha no lixo, se livrou de todos os residuos.
Depois pra enfeitar o lar vazio de memórias, retirou a rosa dos cabelos, encheu um jarro com água e mergulhou nele a vermelha flor.
Ao fechar a porta despediu-se da rosa que seria agora a habitante da casa nova.
A rosa vermelha perfumada.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

LANTERNA

Está escuro lá fora. Está escuro aí dentro. Acende a lanterna na sua testa, entra nessa caverna.Tem fogo no centro da terra, tem  um vulcão prestes a entrar em erupção. Faz sua fogueira ancestral, sua faísca de neandertal. Ilumina a trilha, encontra sua saída. Vence o breu que escureceu sua vista, vê se enxerga com os olhos arregalados, o sábio andarilho cansado que vive a guiar seus passos. Ele anuncia o fim dessa busca exaustiva. A cobra cega retira a venda dos olhos com coragem e agora você vislumbra o centro e a periférica paisagem.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

as pazes

DOIS CULPADOS
UM CURADO
OUTRO CURVADO
DOIS COM RAZÃO
UM TURRÃO
OUTRO DESILUSÃO
DOIS FERIDOS
UM CAÍDO
OUTRO GEMIDO
DOIS AJOELHADOS
UM CALADO
OUTRO AMORDAÇADO
DOIS AMIGOS
UM EM PERIGO
OUTRO SEM ABRIGO
DOIS RESGATADOS
UM MACHUCADO
OUTRO ESPARADRAPO
DOIS DE MÃOS DADAS
UM CONTANDO PIADA
OUTRO DANDO RISADA 

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O Presente

A caixa era quadrada e tinha uma fita branca enrolada.
Dentro tinha o amor envolto em papel de seda.
Ele desembrulhou, colocou junto ao corpo e depois experimentou.
Caiu-lhe bem o amor, como uma luva ele comentou.
O anjo que lhe presenteou sorriu com satisfação,
pois tinha escolhido o amor sob medida para aquela ocasião.
Ficaram todos muito alegres, o anjo temia ter errado na escolha da cor.
Ficou com o azul, ao invés do vermelho, pensou combinar o amor desse jeito.
Ele arrancou a etiqueta, em prova de sua certeza.
Sabia o anjo que amores são trocados quando o tamanho é largo ou apertado.
Que alívio sentiu o anjo quando viu seu presente aceito com tanto apreço.
Voltou batendo asas pra nuvem clara onde morava.
E na casa dele, daquele que recebeu o presente, pudiasse ver reluzente, o azul amor incandescente.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

em pleno juízo

Coisas inteiras, completas.


Um quebra-cabeça à espera da última peça. Encaixou...


A visão justa da totalidade.


Obra concluída, refeição à mesa, embalagem fechada, escultura de barro intacta.


Coisas inteiras, unidades perfeitas.


Um cubo mágico prestes a formar seus lados. Terminou...


Contemplar a inocente lua-cheia.


A quarta estrofe do soneto, o todo, o corpo, o esquerdo junto ao direito.


Em equilíbrio eu danço ao som das trombetas.


Preenchida de vazio, renasço pra viver em liberdade cada perfil de minha única face.

sábado, 4 de setembro de 2010

o sol do meio-dia

hora do almoço, do café da manhã em domingo preguiçoso.
hora do calor penetrar a pele, de me despir de algumas vestes.
hora de brincar na sombra, de namorar no mar.
hora de se molhar, de beber agua, de beijar.
no sol do meio-dia tomei sorvete de melancia.
no sol do meio-dia toquei em você e sua pele ardia.
no sol do meio-dia o ar estava seco, a garganta doía.
no sol do meio-dia fiz um pedido pro um Deus do Egito.
Pedi um abraço pra aquecer o frio que, mesmo ao sol, sinto.

QUANDO

Te enviei uma cartinha por e-mail.
Quando? Uma cartinha molhada de lágrimas,
estava tristinha nesse quando que já não é.
Hoje quando agora, estou mais ensolarada,
ainda um quando disfarçando a cara amarrada
com um pouco em quando de sorrisos amarelos.
Quando em vez alaranjados.
Quando já bem avermelhados,
ao escrever nesse quando pra você.
Quando você vem me ver?

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

contrassenso

Seria melhor escrever sem piedade.
Quantas palavras brandas procuro e acho
nas frases cordiais dos encontros banais.
Melhor ser extrema, forte, certeira.
Dizer errado a vontade verdadeira.
A forma torta do grito seco da fome hostil.
Que cega maltrata as regras e dilacera.
Arrepende a mente, o corpo ressente.
Lamentavelmente foi o cio da boca
o contrassenso da pele muda que resmunga.
Se eu escrever que sussura a mentira agora,
estou a dizer que urra. E que o desejo aflora.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A RODA

Como gira a roda, como gira.
Às vezes estou em cima,
vejo tudo o quê está embaixo, pequeninos brinquedos de Deus.
Às vezes estou lá embaixo,
olho para o alto e tudo está longe, inatingível. Intocável Paraíso.
Confio no giro.
Estou a girar.
Ora imortal como os Deuses, ora suscetível espécie de gente.
A roda girou de forma brutal, violenta.
Perdi os sentidos, fiquei desatenta. Inconsciente.
A roda gira pra me lembrar, que nada fica no mesmo lugar.
O tempo presente é o único tempo que me pertence.
Aguardo em movimento, mas em silêncio.
O instante de amar e amar girando bem devagar.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Encantado

Quinta-feira vou fazer as unhas.
Escolher a cor do esmalte é um pequeno ritual.
É a assinatura na tela do artista.
O último e definitivo detalhe.
Em seguida, limpar as bordas, passar secante e dar uma assopradinha.
E cuidar pra não borrar, esperar o tempo que for preciso pra não correr esse risco.
Preciso me presentear com um capricho.
Um agradinho que coloque em mim um sorriso de moça formosa.
Vou usar um anél bonito, vou gesticular com precisão.
Vou estender a mão para ser beijada pelo gentil cavalheiro.
E ele dirá "Muito prazer, encantado..."

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

o funeral

um escândalo, um horror vê-la gritando tanto.
limpou o ranho do nariz no vestido.
acompanhou o cortejo aos prantos.
lamentou a perda.
rezou com fervor.
despediu-se com lágrimas nos olhos,
com tremor nos ossos.
viu-se morta.
agora pediu que rezassem a missa.
cada tempo marcado faz aliviar a dor da saudade.
uma semana, um mês, um ano...
viver sem a outra parte.
o luto triste da viuvez de quem mata a metade.

domingo, 29 de agosto de 2010

Adão onde estás?

Adão onde estás?
Perguntou Deus, enquanto Eva lambia os dedos saboreando sem medo o melado da maçã.
Adão escondido no fundo de algum buraco cavado no chão do Paraíso, acreditava estar invisível.
Deus sem dó nem piedade botou fora a dupla gulosa.
Pobre Adão, tão covardão. Imaginem se Deus com toda sua onipresença, não iria achar sua imagem e semelhança, encolhido feito um esquilo, no oco do seu esconderijo. Pois é, achou...
Assim começa a história.
Deus sempre soube que Adão nunca saberia nem onde ele próprio estaria.
Adão, onde estás com a cabeça?
Em Eva, deveria ser essa a resposta, mas não era.
E lá estava Eva, no lugar que era dela, agradecendo à Deus por ter herdado de Adão somente a costela.

O Miolo da Missiva

Ouço o som das palavras.
Batizar meu Blog é o mesmo que me rebatizar.
Bate, rebate tambor.
É o miolo do pão, o centro da missiva.
É a carta pra ser lida e resumida.
Aliterar o nome.
Sintetizar o desejo, matar a fome de escrever pra quem quiser me ler.
O Miolo da Missiva é a essência do verbo, a primeira pessoa do meu provérbio.
Meu dito feito popular.
Nasce agora minha palavra sonora.
Vida longa as linhas do meu diário sem cadiado.
E sem mais delongas seguem as entrelinhas de O Miolo da Missiva.