quinta-feira, 30 de junho de 2011

A Carta Crua 2 º Parte | AS PRÓXIMAS PRIMAVERAS

Vou direto ao assunto.


É com ternura que minha voz grave se cala para dar passagem a sonora suavidade.
Solto um som agudo, limpo, puro... 
Recolho os gritos, solto os sussurros, guardo os urros e faço andar sobre as águas minhas delicadas palavras.
Que bom que posso ser forte e ao mesmo tempo flor ao vento, que bom que a força do ferro me gruda de novo no imã da terra e que ainda quero ser matéria, antes de pensar em ser, um dia, eterna.
Ao me reconhecer guia de mim mesma, me fui apresentada como uma linda estrela dourada, muito iluminada, clara e ponderada. Olhei-me e demorei para me adaptar a essa forma, pois estava tão acostumada a fúria, ao golpe, ao ter de fazer na marra, a minha construção diária, da fortaleza em torno de minha aldeia.
Achei difícil cantar à capela uma canção tão singela, pensei ter me esquecido das notas altas, pensei, elas não pertencerem mais a minha gruta úmida, que de tão profunda, nela, não se ouviam mais os agudos cristais, estavam tão suspensos que, ao serem tocados pelos morcegos, vibravam em sons distantes, distantes do meu registro do possível. 
Lembrei-me que é possível atingir, em mim, a altura dos anjos que sobrevoam as capelas.
Que é possível atingir, em mim, o badalar dos sinos, para que eu possa ser intensa sem jamais precisar ser violenta.  
Sigo a mim mesma, não por obediência, mas por adoração.
Adoro ESSA que está hoje botando à baixo os muros e plantando, no inverno, as cercas vivas, ciente de que nas próximas primaveras, elas darão flores lindas, perfumadas, coloridas.
Feliz Aniversário! Caríssima Adriana Azenha.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

A Carta Crua 1º Parte | O LOGOS VEIO ME VISITAR.

Vou libertar os desejos, vou soltar os pensamentos.
Quer pensar? Quer querer? Quer desejar? 
Está liberado qualquer caminho surpreendente que a mente em um lapso percorra.
Por mais que doa, siga sorridente, até que o caminho se modifique sozinho e talvez completamente.
Num só trajeto: memória, imagem de dor, uma cena de horror, uma fotonovela, um segredo, uma fila de espera.
Não reprima, não espante o pensamento, deixe ele se manifestar por inteiro.
Se ele for provocador, perturbador, deixe-o vir, se concluir. Deixe ele saber, que quem manda é você.
Deixe ele se irritar com a pouca atenção que você lhe dá, fique alheia as suas caras feias, sua língua de fora, suas bunda rebolante de pensamento infantil, deixe ele se cansar do ridículo e se apresentar novamente com cores mais atraentes. Os desejos são seus, todos seus. Pense o que quiser, dê corda à ele, deixe ele falar, ele vai se atrapalhar, vai se perder, se contradizer, vai adormecer e deixar você sonhar... e se, até em sonho, ele voltar pra tagarelar, ouça, dê ouvidos, deixe-o falar, ele pode se revelar, manifestar uma face desconhecida, oferecer uma contrapartida, vai se obrigar a ser inovador e pensar em algo nunca antes pensado.
Deixe ele pra lá se quiser deixar, deixe ele lhe ocupar se quiser ver onde vai dar.
Sem aborrecimentos, fique em paz com seus pensamentos, os belos, os feios, os caretas, os ousados, os perversos, os delicados, qualquer um, se for pensado até o limite, pode se transformar em ato livre, em fazer autêntico, em verdade. Deixe sempre as portas abertas para que os desejos entrem, para que os pensamentos saiam, nada pode ficar aprisionado e em seguida ver-se transformado em gesto bruto, em voz áspera, em expressão transtornada. Nada, nada está proibido, de agora em diante, querências, desejos e pensamentos passeiam sem restrições para serem espontaneamente traduzidos em livres e sinceras ações.
Eis a presença do Logos na minha vida, presença muito bem-vinda!

domingo, 19 de junho de 2011

Carta Crua | NA COMPANHIA DAS SOMBRAS





Lá onde dorme minha insensatez, plantei uma bananeira, virei estrela, fiz parada de mão, subi no trepa-trepa e me pendurei de cabeça para baixo pra ver o mundo ao contrário. 


Gostei!


Lá onde passeia minha embriaguez, rodopiei confusa no inesperado eclipse, esqueci das horas, agucei os sentidos, desacelerei os ritmos para ter o instinto dos bichos, a inspiração dos poetas e a intuição dos profetas. 


Louvei!


Lá onde mora, pela última vez, minha viuvez, desvesti o luto para vestir o defunto, aqui jaz o jazigo, debaixo dos escombros, soterrado no passado, digo e repito, quantas vezes for preciso, até que se faça entendido: 


-Aqui nasce com rapidez minha lucidez. Antes só, que desacompanhada. 





segunda-feira, 13 de junho de 2011

Carta Crua | Um grito de morte

Eu não posso escrever essa carta.
São quantas mortes? Quantas vezes se morre?
Essa carta que eu não posso escrever é uma carta cheia de dúvidas, angústias e inseguranças.
Uma carta que não chega ao fim, uma carta com imagens que entram e saem da minha mente como se fossem invasores, imagens que me deixam cega. Essa carta é sobre um fim que não chega nunca.
Eu grito por esse fim, eu imploro por esse fim. Eu morro por esse fim.
Eu quero ficar livre desse tormento, desse diálogo insuportável que mora dentro da minha cabeça, que me atormenta. Essa carta é sobre uma esperança esfomeada, sobre uma culpa corrosiva, sobre uma vergonha destrutiva, sobre uma falsa história, uma mentira. Eu não preciso de provas. Eu preciso que haja somente uma verdade sobre minha derrota. Eu me sinto derrotada, estou sem forças, me enterrem, acabem de uma vez por todas com esse sofrimento. Eu estou pedindo, clamando pelo fim. FIM.
Morte ao amor, morte ao amor morto, morte ao amor morto, que morra, que morra, morte ao amor morto, que morra, que morra, que morra, que morra. EU QUERO VIVER!!!
Não compartilho esta carta, exijo silêncio. Impossível comentar, não há mais nada a ser dito, é apenas um grito de morte no vazio, quero gritar sozinha, sem eco, sem ressonância, permitam-me um último grito. Tampem os ouvidos, eu prometo não me prolongar, serei breve.
Obrigada.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Carta Crua | Diálogo com Aristóteles

O quê exatamente mudou?
Dê uma resposta exata. Consegue?


Eu mudei.


O que?


Eu mudei.


Eu não perguntei "quem?". Eu perguntei "o que?".
Faça uma lista das mudanças.


Então tá. Nada, nada mudou.


A mulher mudou, olhe bem pra ela.


Estou olhando.


O que você vê?


Silêncio, apreensão, medo, recolhimento, escuridão.


Não, olhe ao seu lado, quem vem? 
Eu direi: esclarecimento, direção, diálogo, estímulo, observação.


Mas e o que eu não vejo? E o que eu não lembro, o quê desconheço?


Aceite, se deixe, se entregue, respeite.
Então, de novo, me responda: Se o que mudou foi a mulher, quem é a mulher?


Ainda não sei. Eu não vejo a mudança. O problema é o "onde", mudar implica em sair do lugar.
Estou estacionada.


Não, você está em você, esse é o novo lugar, e você é a nova mulher. Você está no seu lugar. Seu corpo, sua presença, seu tempo, seu ritmo, seu movimento. Você se movimenta!
Se assim for entendido, você pode estar em todo o lugar. Onde você quer estar?


Como eu quero estar? Como? 


Por enquanto você precisa gostar de estar, se conforte no desconforto, transforme o incômodo em um parceiro esplêndido, não feche os olhos, não olhe só para frente, olhe também pra trás. Recorde com alegria, comemore tudo que já passou, lembre sempre de comemorar o passado. O melhor a ser feito é festejar o passado. Experiente fazer as pazes com as lembranças, todas elas, as feias, as belas, são todas lembranças, se foram, partiram... agora olhe pra frente e não imagine nada, simplesmente saiba, que lá na frente há o vazio, o inexistente. O vácuo a espera do preenchimento, da chegada do tempo presente. Agora responda sua pergunta: Como você quer estar?


Presente.



quarta-feira, 1 de junho de 2011

A Carta Crua | O ANO 1 DA QUARTA RODADA.

Quando se tem onze meses, quando se está a um mês do primeiro aniversário. Deve-se ter atenção.
Atenção aos preparativos para as comemorações do primeiro ano de vida. 
O ano 1.
Daqui a um mês eu farei 41. 
O ano 1 da quarta rodada.
O Inferno Astral.

Entro no Inferno pronta pra me divertir, pronta pra brincar com os lobos, os tigres, as cobras, os linces.


Minha passagem será breve, vou vestir minha segunda pele, vou uivar pra lua com permissão.


Entro no Inferno escuro, saúdo o guardião do portão. Ele tira o chapéu, aperta minha mão.


Minha travessia foi honrada, resisti à todas as visões, alucinações, dragões.


Entro no Inferno e caminho no centro da rua principal, conheço os atalhos, sei decor o endereço, sigo o cheiro.


Minha primeira providência é localizar uma dor nos órgãos, pode ser intestino, pode ser vesícula, pode ser apêndice, no momento ainda é um suspense. Neste inferno me curo, me acumputuro, entro pra me certificar que o inferno é quente e que tem muita gente louca pra me ver incendiar.


Entro no Inferno pra aproveitar minha curta temporada. Enquanto visito velhos conhecidos, passeio por antigos becos e labirintos, presto muita atenção nos últimos recados deste meu pré aniversário.


Minhas malas já chegaram, já estou muito bem instalada na suite presidencial, já pedi a champanhe, já  enchi a banheira. Vou relaxar, dormir e sonhar a noite inteira.


Feliz Inferno Astral!