terça-feira, 29 de novembro de 2011

Cena escrita por Adriana Azenha para o encerramento da Oficina "A Prática do Teatro Autoral".



Personagens:



Mãe


Filho


Rádio


Homem


Avó


Pai








(Mãe e filho dentro do carro voltando da escola, a mãe está dirigindo, o filho está no banco detrás chupando o dedo, idade da mãe: 35, idade do filho: 5, trânsito lento. Sentada na frente da Mãe está a atriz que fará o Rádio, sempre que a Mãe tocar o nariz da atriz, ela deve improvisar a sonoriade do rádio, nada deve ser combinado, o Rádio só pode ser ligado/desligado pela Mãe ou pelo Filho).


Mãe: Tudo bem na escola hoje?


Filho: Tudo.


Mãe: Tem lição?


Filho: Tem.


Mãe: Comeu o lanchinho?


Filho: Comi.


Mãe: Comeu tudo? (olhando pelo espelho retrovisor) Tira o dedo da boca Júnior!


Filho: Eu to com fome.


Mãe: Já-já a gente chega em casa e vc come. Ta bom?


Filho: Tá chegando?


Mãe (pensando alto): Que merda esse trânsito! Olha lá o idiota fechando o cruzamento, caralho, puta que pariu, ninguém merece...


Filho: Mãe, não pode falar palavrão!!! "Idiota" é palavrão!!! Mãe você vai muito devagar, se fosse meu pai já tinha passado todo mundo, meu pai é mais rápido que você, ele corre mais, você é lerda mãe, eu tô com fome!


Mãe (procurando alguma coisa dentro da bolsa, acha uma bala, abre, divide no meio, come uma das metades, a outra ela entrega  pro filho): Toma! Pega aqui vai, come essa bala. Esse carro está esquisito, não to gostando... a direção está pesada, só me faltava ter furado um pneu... (ela para o carro, desce e vê o pneu furado, resmunga, balbuciando xingamentos, entra novamento no carro).


Filho: Que foi mãe?


Mãe: E agora? Eu não sei trocar pneu. Deixa eu ligar o pisca-alerta. Já sei! O triângulo, tenho que botar o triângulo.


Filho: Liga pro meu pai mãe, o pai sabe, o pai sabe trocar pneu, ele sabe, liga pra ele mãe, eu tô com fome.


Mãe: Fica quieto Júnior, deixa eu pensar, fica quieto e tira esse dedo da boca agora, tira, eu to mandando...


(Ela desce do carro, abre o porta-malas, pega o triângulo, coloca na pista.)



Filho (debruçado na janela): vai demorar mãe? Eu quero fazer xixi, já ligou pro meu pai?




Mãe (assustada): Sai dai Júnior, é perigoso, fecha essa janela, fica sentado quieto aí, não atrapalha!


Filho: Eu tô apertado!






(Ela volta pro carro, um homem numa moto estaciona e oferece ajuda).


Homem: Furou o pneu? A senhora precisa de ajuda?


Mãe: Pois é, furou, eu não sei usar o macaco, a chave de roda, essas coisas...


Homem: Eu troco pra senhora, onde está o macaco?


Filho: Que macaco? Liga pro pai, mãe! Pra que macaco, mãe?


Homem (para o filho): É o macaco robô mecânico, você não conhece?


Mãe: Júnior fica quietinho tá, o... (querendo apresentar o Homem para o filho) desculpa, eu não perguntei seu nome...


Homem: Fábio. E o seu?


Mãe: Eu sou Cibele (para Júnior) e esse é o Júnior, o Júnior vai esperar o Seu Fábio trocar o pneu pra gente. Né Júnior?


Homem: Deixa ele. Quer aprender a trocar pneu? Pede pro seu pai te ensinar, aí da próxima vez que a mamãe precisar vc troca pra ela, né?


Mãe: Ih... Não dá ideia...


(Enquanto o Homem troca o pneu, a Mãe se recorda de uma canção que aprendeu num acampamento quando ela era criança, começa a cantar para o filho com a intenção de descontrair e chamar a atenção, demonstrando graça e simpatia " O Jipe do Padre fez um furo no pneu...concertamos com cliclet..." essa cena deve ser improvisada pelos atores, sugerir um momento de aproximação entre eles, uma leve intimidade, todos se divertem muito, até que o pneu esteja finalmente trocado).


Homem: Prontinho, agora é só levar o step no borracheiro. E aí Júnior? E a fome? E o xixi? Passou?


Mãe: Olha, muito obrigada. Nem sei como agradecer?


Homem: Eu sei...


Mãe: O quê?


Homem: Um café, você me paga um café. Quando? Quando vc pode me pagar um café?


Filho: Eu quero um sorvete, mãe me paga um sorvete!


Mãe: Então me deixa seu telefone.


Homem: Meu cartão, fica com meu cartão. Então tchau Júnior, sua mãe vai lhe dar um sorvete, mas você tem que prometer que não vai mais chupar o dedo. Ou dedo, ou sorvete. Você escolhe!


Mãe: Tchau, prazer. Eu ligo então pra gente marcar o café.


Filho: Vem mãe, vamo embora, eu vou fazer xixi na calça.


(mãe entra no carro, liga o carro e retoma o percurso).


Mãe: Eu vou deixar vc na casa do seu pai, você dorme lá hoje, eu preciso ir atrás de um borracheiro. Sua vó faz uma sopa pra vc bem gostosa. De manhã eu passo lá e te pego, certo?



Filho: Por que o papai mora com a vovó?




Mãe: Deve ser porque a sopa dela é muito gostosa e porque eles fazem companhia um pro outro. A vovó não fica sozinha e nem o papai.(o filho adormece no banco detrás, a mãe liga o rádio, a atriz que faz o rádio deve improvisar, cantando uma canção, dando uma notícia ou qualquer outra situação do universo das rádios, ideia de movimento e deslocamento). Pronto, chegamos..., desce lá e toca a campanhia, enquanto eu termino de estacionar.




(O Filho ainda com sono, desce, toca a campainha, a avó sai, o pai sai logo atrás, todos conversam na calçada enfrente a casa da avó).


Avó: O que ouve?


Mãe: Desculpa Dna Antônia eu vir assim sem avisar.(para o pai) Oi Cássio, posso deixar o Júnior aqui hoje? Ele está com fome, o pneu do carro furou, eu peguei um puta trânsito, ele precisa fazer xixi...


Pai (para o filho): Entra lá filho, vai fazer xixi, vai... o papai já vai lá dar um banhão em você...


(o filho entra na casa da avó).


Avó: Tudo bem, deixa o menino aí, vai resolver tuas coisas, amanhã vc pega ele, num quer entrar um pouquinho, comer alguma coisa...


Mãe: Não Dna Antônia, obrigada, mas eu preciso ir. Ainda vou passar numa borracharia...


Pai: Você sabe onde tem borracheiro aberto essa hora? Não quer ficar aí e eu vou atrás disso pra vc? Não é melhor vc ir pra casa e de manhã vc resolve isso? Sei lá, agora, a essa hora, achar borracheiro aberto...


Mãe: Pode deixar, eu me viro, eu acho que eu sei onde tem um 24hs...e nem é tão tarde assim...


Filho: Vó! Eu já fui no banheiro, agora eu quero comer, o que tem pra comer vó? Pai, o Fábio falou pra vc me ensinar a trocar pneu, vc me ensina? Me ensina pai?


Pai (para mãe): Quem é Fábio? Que Fábio?


Mãe: Você não conhece...


Avó: Bom, então vai minha filha, quanto mais vc demorar pior, vamos entrar, não gosto de ficar de conversa essa hora na rua, é até perigoso, vai com Deus, qualquer coisa liga, tchau.


( Todos se despedem rapidamente, ela entra no carro e liga o Rádio, novamente a atriz/Rádio deve improvisar a sonoridade do rádio).




Mãe (Rindo, cantando e falando sozinha): É tudo culpa do Jipe do Padre. E agora? Eu ligo ou não ligo? (pega o cartão do Homem/Fábio, lê, pega o celular, o celular toca, ela se assusta, desliga o Rádio). Puta susto! (atende o celular) Alô, oi... oi filho... o sorvete? Ah tá, o sorvete... ah vc não chupou mais o dedo... ah sei, o Fábio... Sei.... ele falou né filho? Então... sei... Você escolheu o sorvete né? Então tá... pode deixar, depois que a mamãe concertar o pneu no borracheiro eu compro o sorvete, tá bom? Amanhã depois do almoço vc come de sobremesa, tá bom? Sei... de creme... sei... tá bom...beijo...te amo...tchau.




(Ela liga o Rádio e depois liga para o Homem).



Mãe (em tom de brincadeira, como se estivesse passando um trote): Alô, É da borracharia? Aqui quem fala é a freira amiga do padre, então, ele me passou seu contato, é à respeito de um chiclet, meu pneu furou e... sei... o sr concerta? (risos) Ah sei... onde? O quê? Se eu chupo dedo? Não, larguei faz tempo... Sorvete? Sim! Onde? Tô anotando... (risos).




(O Rádio segue ligado).


Black-out.

A Oficina "A Prática do Teatro Autoral" ocorreu no período de outubro à novembro de 2011 na  Oficina Cultural Oswald de Andrade, como parte do Projeto da Cia AZENHA DE TEATRO.


domingo, 20 de novembro de 2011

A Carta Crua | Minha mãe não sabe o que tem atrás da montanha. A montanha dela era outra.




Foto de Viviane Fracari

Eu conheço um caminho, li num livro, fiz uma viagem, conheci uma mulher, sei sobre uma lenda, já escrevi em um poema, trabalhei com uma pessoa, um amigo me contou, tem um filme que eu vi, já sofri de uma dor, me ofereceram uma fruta, sei uns passos dessa dança, já cantei essa canção, dirijo automóvel e até um caminhão, já desci nessa estação, entrei nesse museu, venho há anos neste parque, tinha uma árvore ali, cortaram, hoje tem outra bem pequena aqui, replantaram, eu acho. 


Terminei e comecei milhões de vezes, entre um sol e uma lua, entre uma porta e outra, entre um ano velho e um ano novo, fiz muitos inícios, vivi muitos fins, infinitos fins, términos intermináveis, couberam muitas tentativas dentro das horas, dos dias, dos anos velhos em que me renovo.

Só posso saber o quanto sei na medida do quanto ando.
Só posso saber o quanto sei na medida do quanto caio.
Só posso saber o quanto sei na medida do quanto me levanto.
Só posso saber o quanto sei na medida do quanto me lanço, me jogo, me ergo, me solto...

E para saber sobre o que não sei é preciso não querer saber, é preciso apenas saber o que alma curiosa pretende conhecer, é preciso apenas um corpo aventureiro com desejos simples e raros, desejos de alimento e gozo, de carinho e conforto, de movimento e silêncio harmonioso. E tudo isso, que também é pouco, só se sabe quando já não se é moço, quando já se pronunciaram as rugas, quando já se embranqueceu a fronte, quando já há uma promessa de velocidade média no ritmo da pressa.

Tenho um filho, já moço, um ex menino, um quase homem, um fazer-se humano dentro do tempo que nos amadurece. Esse filho, que ora cresce, ora se apavora com as cobranças do fim da infância, vai saber sobre não ser, vai conhecer um trauma, receber uma notícia, quebrar uma louça, tropeçar numa pedra, escorregar no molhado, vai se lembrar de um abraço, vai acordar de um sonho, vai comprar flores, vai escrever cartões, vai rasgar fotografias, vai queimar poesias. 

Vou aplaudir seu andar sobre a terra, seus buracos e crateras, suas areias à beira mar, suas rochas, suas montanhas íngremes, seus desertos áridos, suas casas, quantas forem, suas famílias, quantas, seus amigos, quantos, seus projetos, o quase, o desastre, o sucesso. Cada caminho tem seu dono, cada anjo seu guardado ser humano. Tem um anjo que guarda meu filho e que dá a bandeirada de largada desta corrida que começa acelerada e que termina num respirar profundo, num ganhar mais fôlego para desfrutar tudo que é aprendido, a matemática das contas, o português das broncas, a química dos corpos, a física dos astros, a biologia empírica, a filosofia, a arte e a magia... Filho de bruxa, bruxinho é...

Abracadabrasaramalé. Faz esse meu filho ser quem ele é!!!

http://www.youtube.com/watch?v=0q5kbMdw7Bk

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

CARTA CRUA | Peso Pena



Quantos vieram me chamar?
Eram muitos e sei que eram bons.

Foto de Viviane Fracari

Então está concluído. 
Não há resposta que o tempo não dê.
Não há apelo que não possa ser feito.
Tenho oito ferraduras para oito patas. 
Sou veloz e astuta como uma aranha a tecer a teia.
É tempo de armazenar o alimento.
Entrei com a apelação, consegui a redução da pena.
Agora pesa menos que a peninha da asa de uma andorinha.
Ficou leve, fiz a transferência do fardo, ficou nas costas de outro condenado, não carrego mais, deixei para trás.
Desejo que o fardo, esteja ele onde estiver, seja aos poucos aliviado.
Que seja leve para todos, que sejamos todos condenados a viver sem a cólera, sem precisar de misericórdia.






Minhas oito pernas são mais rápidas que minhas ideias.
Chegam antes meus passos, quando vejo já estou dentro de um novo espaço.
Chegam antes meus pés, minha cabeça chega apenas para contemplar a fincada bandeira sobre a terra seca.
Vitória! Conquista! Sou guerreira, talvez muito antes de ser sereia.
Obá xirê!
Seja bem-vinda sua cavalaria.
Estou no governo do estado novo.
Vou nomear meus ministros e dar pão e circo ao meu povo.
Farei meu pronunciamento em cadeia nacional.
Cantem hinos, soltem fogos, proclamem comigo.
Pois com as mãos no peito e o olhar elevado, respeito com devoção a hasteada bandeira da minha renovação.




quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Carta Crua Para Sérgio Duarte | A Promessa.




Foto de Viviane Fracari
Tanto faz, quanto fez.
Tarde demais, já misturei...
Já não sei quantos eram, tantos foram, outros vieram.
Não sei se de manhã, se de tarde, se verão ou inverno.
Quanto importa o tempo para o mistério?
Hoje estou disposto a crer no credo fora da cruz.
Ontem fiquei inquieto, mas só sei agora, na hora achei que estava certo.
Por enquanto observo.
Depois pondero.
Antes não levava a sério a duração do vento sobre o relevo da montanha.


Durante o intervalo do sono, um minuto pode ser um século para o pesadelo.
Quero sonhar que perdi a hora, que não fui, que me atrasei e me desocupei do compromisso.
Quero acordar já tendo cumprido o dever, já tendo feito as obrigações.
Quero acordar sem o despertar sonoro do relógio, sem o escuro da noite.
Quando for dia, quero fazer com tanta alegria minhas tarefas.
Tanto faço, quanto fiz, são tarefas que entregues no prazo, aguardam seu valor para que cheguem as recompensas.
Tantas quantas o quando mereço.
É o tempo rendido frente ao misterioso destino que de todos se faz desconhecido.
Revela-te diante de mim, oh prometido!