sábado, 28 de dezembro de 2013

A CARTA DA CASA | "Lupus est homo homini non homo" (Plauto).


Para  HOMENS.

Inspirado na sequência: A FORÇA - O DIABO - A PAPISA - A JUSTIÇA.

O homem é o lobo do próprio homem.
E se um homem quer o que o outro homem também quer,
lobos brigam,
lobos sangram,
lobos morrem.

Um homem abre mão de seu desejo e dá ao lobo do outro seu fígado, seu coração, suas tripas.
E o desejo permanece faminto.
Mais tarde além de querer, ele descobre que tem poder.
Ele se apodera da coisa desejada, na força, na marra.
E se ele pode, ele compra a coisa, ele paga.


O outro lobo, quando pode menos, lambe os beiços, chupa o dedo e come lentamente a si mesmo.
Dê ao lobo o que lhe é de direito.
O lobo no homem divide o conteúdo do pote.
O lobo no homem é o homem.
Ensina teu lobo a pensar.
Ensina teu homem a farejar, rastrear, atacar.
Bota teu lobo pra estudar, ler, pesquisar.
Bota teu homem pra urinar nos cantos, demarcando terreno, protegendo a cria, alimentado a matilha.
O homem dorme na cama.
O lobo na cama não consegue dormir.
Deixa dar meia-noite pro lobo ser todo o homem.
Lua cheia. Cheio.
Lobisomem.
Deixe que ele uive madrugada adentro.
Para que o homem desperte leve, para que não pese mais que uma pena, seu puro coração.


Com amor

Adriana Azenha

sábado, 16 de novembro de 2013

A CARTA DA CASA | Brigar de Brincar.

Foram colocados de costas um para outro.
Um duelo.
As armas, apesar de diferentes, eram equivalentes.
Difícil saber se algum dos lados poderia levar vantagem.
Agir pela lógica.
Agir por instinto.
Qualquer das ações tinha um potencial de vitória.
Um ataque planejado ou um ataque impulsivo.
Um duelo estratégico ou um duelo imprevisível.
Na plateia, a torcida dividida, se divertia.
Bons de briga, quem morreria?
Uma facada no estômago.
Um pescoço estrangulado.
O juiz ergue o braço.
Duelo iniciado. 
Oito passos para cada lado.
E frente a frente, abandonaram as armas e correram para
o abraço.
Desarmados.
Cada lado.
Quero vivo este lado para construir os muros.
Quero vivo este lado para pular os muros.
Constrói em mim.
Pula comigo.
FIM.
Foto Viviane Fracari


Inspirado na sequência:

A Justiça - O Imperador - A Força - O Sol.


domingo, 13 de outubro de 2013

A CARTA DA CASA | Sacola de Praia

Para: Elisandra Mariko Takamine
Inspirado na Sequência: O SOL - A MORTE - A JUSTIÇA - O LOUCO

Foto: Viviane Fracari
Já passava do meio-dia...
O filtro solar não dava para dois.
Então passei um pouco nas costas do outro para proteger.
E o outro passou um pouco em meu peito para me proteger.
Minhas costas expostas.
Teu peito exposto.
Mais tarde as costas queimadas.
Mais tarde o peito ardendo.
Mais tarde o incômodo, a dor, o desconforto.
Pele morta.
...
Pele nova nas minhas costas.
Pele nova no teu peito.
Pensei dividir o quanto tinha, pensei que assim melhor seria.
Pensei não ser egoísta: protegendo-me inteira e te expondo a dor.
O que pensei pouco importou.
Nas minhas costas crescem asas.
No teu peito nascem espinhos.
Com as asas vôo para outras praias.
O sol sempre vai arder.
Na minha sacola tem óculos escuro, água, chapéu, e uma bisnaga de filtro solar novinha.
Eu já sabia o que levar na minha sacola.
Visitei muitas praias, já ardi debaixo de muito sol.
Não posso prever a sacola do outro, não posso.
Quanto mais desprevenida do outro estou, mais longe posso chegar.
Arranca com uma pinça os espinhos do teu peito e antes de seguir por outras praias prepara tua sacola.
Pode ser que a praia esteja deserta e que não encontres ninguém para dividir contigo proteção.

Com Amor,
Adriana Azenha.




sábado, 12 de outubro de 2013

A CARTA DA CASA | La vie en rose

Para Fernanda Justina.
Inspirado na Sequência: O ENFORCADO - A TORRE DA DESTRUIÇÃO - O ENAMORADO - O IMPERADOR.

Foto: Viviane Fracari
Quando chega o período de poda no meu jardim, delicadamente corto galhos.
São pernas, são braços...
Roseiras quase desaparecem, viram pequenos caules, quase nada de folhas.
Quase me esqueço que ali há roseira.
É importante que se lembre de avisar as crianças para que não brinquem no jardim, pois elas, num descuido, podem pisar sobre a roseira. Roseira sem rosa, também é roseira.
Geada, seca, granizo, queimada, chuva brava...
Pode não ser criança, nem enxada, nem trator. 
Pode ser que seja a ausência de vontade humana sobre o desejo de florir.
Pode ser um formigueiro a me consumir.
Pode ser uma praga.
Esperava pela poda, mas veio a peste.
Porém, no amor da terra pelos seus frutos, surgem crianças que plantam roseiras nos velhos jardins.
Surgem crianças e seus regadores.
Surgem minhocas no amor da terra pelos seus frutos.
Surgem braços, pernas, tronco de roseira nova.
Meu amor colheu uma rosa no jardim para entregá-la a mim.
Há o amor da terra pelos seus frutos e também o amor de seus frutos pelos que se dão inteiros aos seus amantes.
Pode vir a poda, pode vir a peste...
O amor não se submete.
Aceito a rosa que você me oferece.
Exalo o perfume da rosa, beijo tua boca.
Sabes enxergar a rosa que em mim mora, mesmo quando me encontro em estado de poda.

Com Amor,
Adriana Azenha.


Só para ilustrar...
http://www.youtube.com/watch?v=DUFYG1EHuEw


quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A CARTA DA CASA | Linguaruda.

Texto inspirado na sequência: 
A Estrela - O Enamorado - O Enforcado - A Roda da Fortuna.
Para: Maria Alice Araujo de Almeida.

Minha intuição não falha.
Ouço pensamentos.
E o que penso acontece e se acontece eu já sabia.
E quando alguém cochicha, o rabo espicha.
E quando alguém reclama, o rabo inflama.
E flecha que não acerta o coração, acerta a bunda, tal qual uma injeção.
Então não é palpitação?
É de todo tipo, menos de coração.
...e gente dando palpite, isso tem de montão.
Cortei as línguas,
mais tarde nascerão de novo,
enquanto sangram mudas,
medito na vastidão profunda.
E Raimunda hoje é a solução,
porque não há palavra na rima do meu coração...
Quando as tagarelas línguas varrerem o céu da boca eu já terei descido pelas gargantas.
A língua não me alcança, saio na frente, chego antes, sou ligeira, vou, mas volto.
Minha intuição não falha!



Depois de uma volta completa rimo meu coração de poeta:
com pão, algum tostão e muita diversão.




Com Amor,
Adriana Azenha.


















segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A CARTA DA CASA | Didática


Inspirado na sequência: O Eremita - A Justiça - A Imperatriz - A Morte.
Para: Susana Gabriela da Silva.

Foto: Viviane Fracari
Hora de testar o conhecimento.
Gosto das questões de livre escolha, pois trazem consigo a mais confiante das alternativas:
NENHUMA DAS ANTERIORES.
Nem A, nem B, nem C, nem D.
Quando a pergunta é sobre o que aprendi, podem me testar à vontade.
Caso eu não saiba, faço a prova com direito à consulta.
Sei exatamente o capítulo do livro que contém a resposta.
E com a caneta na mão direita marco um X na resposta correta.
Todas as minhas respostas estão certas.
Estou aprovada no exame.
Passei de ano sem ficar para recuperação.
Nada precisa ser recuperado...
O ano letivo acabou para um bom entendedor.
Fim, férias...
Curiosa para ver chegarem os novos conteúdos.
Os livros do ano passado serão doados, preciso abrir espaço nos meus armários.

Com Amor,
Adriana Azenha.



domingo, 29 de setembro de 2013

A CARTA DA CASA | Encrenca!

Inspirado na sequência: O Enforcado - A Justiça - A Morte - O Papa.
Para: Carolina Yoshie Kondo

Foto: Viviane Fracari
O elevador parou entre um andar e outro.
Encrencou!!!
Nem subir, nem descer. Parar no ar...
Nem sair, nem entrar. Simplesmente ficar quieta até o técnico chegar.
Sem pânico, sem chilique, sem gritos de desespero.
Abro a bolsa, pego o celular e aviso ao compromisso que vou me atrasar.
O motivo?
Ora! Por motivo de força maior.
Maior que minha vontade, que meu dever, que minha obrigação.
Quero sair, mas já que tenho que esperar, espero com profunda tranquilidade.
O técnico chega com sua chave de fenda.
Ele sabe o que fazer.
Dou a ele a oportunidade de me socorrer.
E para que o herói apareça, preciso ser um pouco prisioneira.
Hora de não fazer nada, hora de ser resgatada.
Lá fora ocorreu um movimento intenso enquanto eu fiquei em silêncio.
Minha pausa é o motivo da urgência alheia.
O elevador estava velho, vai ser trocado.
Quem parou foi o elevador...
E quando o novo for instalado, vou passear de andar em andar, num lindo elevador, novinho e de última geração.
Vou subir do térreo até o infinito e arranhar céu.








sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A CARTA DA CASA | Primavera Enluarada.


Inspirado na sequência:
O Carro - A Força - O Imperador - A Lua.

Para: Sheila Granja Prada.

Pagou a passagem e entrou no ônibus.
Da janela, se divertia ao ver as placas: indicações, setas, destinos.
O bom da viagem é viajar.
Então pensou:
O destino é certo, mas os encontros...
Tão certo é o preço da passagem, o local do embarque, o assento, o horário da partida e da chegada, a distância, o trajeto.
E aparentemente certo: o propósito.
A hospedagem garantida, a comida, a bebida.
O roteiro programado.
Foi tudo de propósito?
Os encontros...
O que não ficou acertado, certo está.


É rápido, num piscar de olhos, o cão avança, o exército invade.
É rápido, num piscar de olhos, o cão se deita, o exército bate em retirada.
É rápido, num piscar de olhos, a boca abre, os olhos fecham...
Tudo escuro.
Num piscar de olhos a lua nasce.
Beijo na boca, se não for de olhos fechados, simplesmente não é.
É quase, é pela metade, é mentira.
Sob a lua o cão uiva.
Sob a lua o exército se camufla.
Sob lua, cão pode ser gente e o exército pode estar carente de paz...
Cão quer afago, exército quer trégua...
Sob a Lua que se fez em Vênus floresce Nossa Primavera.

Com Amor,

Adriana Azenha.


sábado, 17 de agosto de 2013

POSTAIS | Emenda - Para Eduardo Bartolomeu

Que menino bem arrumado.
Sim, ele está bem arrumado!!!
Sem as calças. Quer sair por aí só de cueca.
Sua tia não deixa, sua irmã morre de vergonha.
Então, ele se tranca no quarto, faz birra, reclama.
Quer sair com o casaco novo e com a cueca, que também é nova, e é bela.
Vai sair escondido pela janela.
A janela é alta, a casa é assobradada.
Ele pula, se esborracha no chão, quebra a jardineira, bate a cabeça, o galo canta e assusta a vizinhança.
Prende o choro e solta os cachorros.
Rasgou a cueca, vai remendar.
Vai colar os cacos da jardineira de barro e replantar as camélias.
Vai se desculpar com os vizinhos pelos latidos vulgares de sua fúria.
Vai colocar cubos de gelo na crista do galo.
Vai baixar a crista.
Vai passar os dias se ocupando em restaurar o impulso de pular.
Depois de seu resguardo, veste novamente o casaco, olha-se no espelho e se espanta ao ver os pelos crescidos em suas pernas.
O remendo da cueca é cicatriz na virilha que o tempo esconde por debaixo dos pelos.
Que homem bem arrumado.
Veste as calças, pede a benção da tia, abraça a irmã e sai pela porta da frente.
Ele tem um encontro com sua namorada e não quer chegar atrasado.

TEXTO INSPIRADO NA SEQUÊNCIA: O ENAMORADO - A CASA DE DEUS - A TEMPERANÇA - O CARRO.


POSTAIS | Palatável - Para Jany Canela


Tão interessada nas receitas.
Lia todas.
Sabia-as de cor.
A quantidade de xícaras, as medidas, colheres de sopa ou de café.
Quantos ovos...
O tempo de preparo.
O ponto.
Sabia de cor o ponto. 
Nunca tinha feito nenhum bolo, mas conhecia as receitas na ponta de língua.
Belo dia resolveu ir para cozinha, vestiu o avental e colocou em prática seu vasto conhecimento.
Queimou bolos, cortou o dedo, explodiu a panela de pressão, quebrou pratos, desandou massas.
E de tanto desandar de lá para cá pela cozinha, aprendeu a cozinhar.
Passou a criar, inventou sabores e subverteu os procedimentos.
Pensou em escrever seu próprio livro de receitas, mas se desinteressou, dispensou...
Achou melhor compartilhar seu saber à mesa.
Convidou os vizinhos, os parentes, os amigos e também uns desconhecidos.
Pouco a pouco sua comida caiu no agrado de todos.
Caiu na ponta da língua, nos lábios, no céu da boca, na boca do estômago.
Satisfeita em dividir nos pratos as quantidades justas de sua fartura, releu as receitas. 
E foi como se nunca as tivesse lido.
Pareciam-lhe inéditas.

TEXTO INSPIRADO NA SEQUÊNCIA: PAPISA - MAGO - IMPERATRIZ - JUSTIÇA.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

A CARTA FINAL | O AMOR TEIMOSO

Quantas vezes as mulheres sonham com encontros solares.
Encontros às claras.
Verdades nas falas, sinceros olhares: como uma história da infância, uma fraqueza, um gesto desengonçado.
Um encontro ensolarado.
Mulheres sonham com pastéis na feira, com passeios no parque, com milho cozido na praia e sexo pela manhã com a cara bem amassada, o hálito comprometido, as vergonhas... e desvergonhas minutos depois.
Elas sonham...
Sonham com um sorriso rindo da piada sem graça, da tropicada na calçada, do tombo de bicicleta, da mancha de molho de macarrão no canto da boca.
Sonham com um abraço terno em tardes de despedidas do sol e da partida que se prolonga em beijos e mãos nas costas e pontas de pé e sussurros ao pé do ouvido e arrepios, cabelos, pescoço, seios aquecidos ao peito, que seja qual for o tamanho, é sempre largo no desmaio das que sonham acordadas atrás de seus óculos escuros a protegê-las dos descarado e escancarado sol.
O sol do trabalho, das compras no mercado, das portas das escolas, das filas no banco, das bancas de jornal anunciando o dia.
Encontros diurnos.
Quantas vezes as mulheres sonham com o rei de copas.
Seus presentes em caixas com formato de coração.
Seus perfumes adocicados, suas frases cheias de otimismo e esperança.
Mulheres sonham com paixões impossíveis e finais felizes.
Mulheres sonham com promessas de alianças, com flores, cartões e lembranças das datas do primeiro encontro, beijo, segredo, do primeiro medo, da última briga, do recomeço. 
Ah, como elas sonham com as pazes, as chances, os perdões, as reconciliações...
Sonham!
Sonham que se enganam e choram suas perdas e confiam na recompensa da paixão renovada, que em algum lugar há de estar sendo preparada e elas sonham que se não for pra hoje é porque a encomenda atrasou-se.
Culpa do carteiro se amor ainda não chegou ao seu endereço.
Elas confiam e esperam o fim da greve dos correios, sonham...
Quantas vezes as mulheres sonham despertar do pesadelo de não sonhar.
Não, mulheres temem que algum monstro sombrio diga: "Cai na real, acorda!!!"
Mulheres morrem de amor...
O amor morre junto com elas. Elas e o amor são uma coisa única.
Toda a mulher é amor. Essencialmente feitas todas elas de amor.
Entre muitas mulheres, soube de uma que hoje nos deixou, morreu de amor...
Desejou ela que o amor morresse, mas ele resistiu bravamente.
Então ela se matou, foi o jeito que encontrou, disse: "Ou EU ou o AMOR".
E como amor venceu, ela faleceu.
Sem dor, simplesmente morreu.
E amor sem ter onde se fazer, por onde existir...
O amor que era belo, também se acabou?
Não sei, talvez vagueie solitário em busca de uma outra mulher que suporte sustentar um amor teimoso.
Quantas vezes as mulheres sonham suportar!!!

Inspirado na sequência: A Imperatriz, O Sol, O Enamorado, A Morte.

Despois de ler, ouça a canção:
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=BO_g5Ocr4K0





sábado, 9 de março de 2013

A CARTA DA CASA | E que seja hoje.


Foto de Viviane Fracari




Inspirado na sequência: 
A Imperatriz - A Torre - O Mundo - O Sol.
Para: C. M. I.




Preste bem atenção, a lição é simples.
Lápis e caderno na mão. Faça com cuidado sua anotação.
Cuidado para não acertar.
A regra aqui é errar.
Erre bastante!
É provável que você se machuque, alguns ferimentos são bem-vindos.

Quando mergulhamos na piscina vazia, a piscina ainda é piscina.

Não adianta esvaziar.
Não adianta mergulhar às cegas com a cabeça na pedra.
Não adianta.
Precisamos quebrar os azulejos.
Encher de terra o buraco.
Precisamos cimentar até à superfície.

Esvaziar a piscina não é o bastante.
Temos que extinguir a piscina.
Enquanto ela existir, mesmo que vazia, mergulharemos nas suas águas.
Iludidos, alucinados, mergulharemos mesmo já tendo esvaziado.

Conheço a lição.

Depois de ter quebrado os braços, os dentes e o pescoço.
Transformei a piscina em deserto de concreto.
Senti saudade da água e principalmente saudade do mergulho.
Mas não quero mais mergulhar tão fundo.
Quero um banho de banheira bem quentinho.
Um mergulho seguro nas águas de um útero.
Quero já nascer nadando.
Quero já nascer íntima das águas.

Até que um dia, e que seja hoje, a piscina fique rasa perto do meu tamanho.
Quero estar tão crescida, que lá, onde um dia eu mergulhei fundo, brincarei tranquila.
Meus pés tocarão o chão.

Agora dá pé!

A Cena da Imperatriz | Quintal Pilates e O DIA INTERNACIONAL DA MENINA



Quintal Pilates - Foto de Jamille Farath
“O Dia Internacional da MENINA”

Que dia lindo esse dia!
Que noite linda, brisa, frescor, quintal...

Um quintal que é água do mar, desafio muscular, banho de erva em plena feira livre.
No quintal a menina corrompeu o mal, ajustou os pesos e as medidas no grito e no abraço, deixou que o tempo carregasse os fardos para que os ombros ficassem leves e com a ajuda do tradutor-intérprete a menina pudesse se comunicar com a paz.

A paz?

Sim, a menina está em paz.

Ela já carrega em sua existência uma mulher feita.
Já carrega a luz da sabedoria na sua lancheira.


O sábio veio nos visitar.

Homens mais velhos não acompanham o ritmo da curiosidade quando estão de mãos dadas com as meninas...

Então será preciso que a menina desacelere o passo para andar lado a lado com o velho sábio.

E uma menina quando anda devagar começa tagarelar.

E enquanto o passo é lento o verbo é veloz.

A menina faz perguntas que o velho adora responder.

Perguntas e respostas caminham sem pressa de chegar.

Porque chegar pode ser terrível, pode ser parar, pode ser parar de crescer, de crescer e envelhecer curiosamente.

Mulheres sábias perguntam sempre.

A Cia. Azenha de Teatro agradece a participação de todos os presentes na criação de nosso espetáculo.

OBRIGADA!

1º ATO: Imperatriz - Eremita - Diabo - Mago | Carta da Música: Imperador.
2º ATO: Imperatriz - Justiça - Carro - A Roda da Fortuna | Carta da Música: Eremita.
3º ATO: Imperatriz - Temperança - Papa - Eremita | Carta da Música: Enamorados.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

A Carta da Casa - Que desfeita!


Inspirado na sequência: A Imperatriz / A Estrela / O Mago / A Justiça.

Para: Susana Gabriela da Silva.

foto de Viviane Fracari
Já faz algum tempo que venho me refazendo.
E de tão refeita, às vezes, por deslize, me desfaço de mim mesma.
Que desfeita!
Se alguém, de algum lugar, pode me ver desabrochar entre riachos e verdes planícies. Se há alguém, esse alguém está a brilhar sobre minha cabeça, esse alguém sou eu mesma do alto de minha observação.
Eu posso ver e somente eu posso aprovar ou desaprovar minha transformação.
...
Sinto saudade da paixão.
Dos sons que só ouvimos quando estamos com a boca calada em beijos.
Que desfeita colocar minha beleza num leilão...
Quem dá mais pela paixão?
Oferto toda minha caminhada, registrada dia após dia num calendário de parede de presídio, no qual risco e rabisco os dias vividos sozinha. Conto os dias aprisionada em minha própria solitária.
Que desfeita... Devia eu celebrar os dias que vivo em minha companhia!
A vida me deu terra e água e eu devolvo rancor e mágoa.
A vida me deu luz e vento e eu devolvo e ofereço, a baixo preço, dúvida e receio.
Não estou presa em mim mesma, estou livre para botar à mesa a melhor das refeições.
Quem virá para jantar?
Será uma desfeita se o convidado faltar.
Será uma desfeita comigo mesma se eu me preocupar.
Sei preparar, sei enfeitar, sei temperar, sei receber, sei servir a sobremesa e o cafezinho.
Sei também entregar meu destino nas mãos de meu equilibrado coração.
Posso recolher os pratos e cancelar a ceia, posso lamentar a ausência, a cadeira vazia, a taça de vinho limpa, sem digitais... Lamento, mas agradeço.
Não vou mais cometer a desfeita de me sentir contrariada, minha fartura não precisa ser sempre compartilhada. Estou farta!
Refeita e satisfeita com o silêncio em meu peito.
Pois o som da paixão é baixinho e sussurrado...
Enquanto gritos, vozes e ruídos perturbarem meu exílio, será impossível ouvir os sinos.

Com amor,
Adriana Azenha.


sábado, 9 de fevereiro de 2013

A CARTA DA CASA | Eu não sabia.

Inspirado  na sequência: A Imperatriz / A Papisa / O Imperador / O Mundo.
Para Raquel Soares do Amaral.



foto de Viviane Fracari



Estive de braços dados com todas as outras que sou num passeio longo e intenso.
Tive olhos apenas para as muitas que fui. Olhos para dentro de tudo o que agora sei.
Sei para mim e para todas as outras que sou.
Fiquei debruçada sobre o saber como sou e sobre o saber das muitas que sou.
Sou.
Soube.
Alguém bate a minha porta.
Digo por favor, para que espere, pois estou terminando de não saber nada sobre mim, sobre as outras, sobre mim, sobre as muitas. 



Estou terminando de não saber.
Quando não souber mais nada, quando tudo estiver desaprendido, vou abrir a porta para o punho forte que bate com insistência.
Já vai! Já vai, estou quase terminando de Não Saber.
Pronto!  Já não sei mais nada.
Nada.
Abro a porta e vou ao encontro da razão, do domínio lógico, da estratégia, do combate.
Vou à luta!
Vou conquistar, desbravar, tomar posse!
Vou tomar posse, me apoderar, me encorajar.
Tenho o poder de não saber.
E por isso posso errar, e sem querer saber, posso então, acertar.
Passo pela porta com mais segurança, já andei por tantas cordas bambas, já caí, já levantei, já doeu, já me curei...
Vou me arriscar e ver o que há para além do conhecido e brincar de ser o que não sou.
Vou como uma criança, mas como uma criança que ouviu atentamente os conselhos de sua mãe e que lembra de alguns provérbios de seu pai.
Uma criança preparada para a liberdade que lhe foi dada.
Livre e amparada.

Com amor,
Adriana Azenha.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A CARTA DA CASA | Leituras Abertas


A FORÇA - Arcano XI.


Dentro da palavra há a faca e o perfume.
Que palavra é essa?
Para se sentir alguns cheiros há que se cortar a pele.
O cheiro de dentro é profundo.
O cheiro de dentro é depois do corte.

De onde vem o aroma...

Hoje cortei com a faca o pão e o queijo.
Ontem cortei o bolo,
Antes de ontem cortei a laranja... Que bom sentir o perfume da laranja pela casa!

O cheiro da laranja depois do corte da faca.



Comer a fatia do pão e do queijo.
Comer a fatia do bolo.
Chupar a laranja.

Quero o perfume do fruto que se come também pelo nariz.

Cortei a palavra para ver o que tinha lá dentro, para comê-la em fatias, para cheirar o dentro da palavra.

Precisei da faca para chegar ao perfume.

Sei usar a faca, quero aprender a usar o perfume.

A palavra cortada, por exemplo:

Se eu cortar o SEMPRE na metade, fico SEM e fico PRE.

Então sinto o cheiro do lugar vazio, da ausência.
E o cheiro do antes, do que se pressente.

Sinto o cheiro do lugar que antes era vaga e espera.
E que agora é sempre.

Minha Casa.



Adriana Azenha
-A Carta da Casa -