domingo, 20 de novembro de 2011

A Carta Crua | Minha mãe não sabe o que tem atrás da montanha. A montanha dela era outra.




Foto de Viviane Fracari

Eu conheço um caminho, li num livro, fiz uma viagem, conheci uma mulher, sei sobre uma lenda, já escrevi em um poema, trabalhei com uma pessoa, um amigo me contou, tem um filme que eu vi, já sofri de uma dor, me ofereceram uma fruta, sei uns passos dessa dança, já cantei essa canção, dirijo automóvel e até um caminhão, já desci nessa estação, entrei nesse museu, venho há anos neste parque, tinha uma árvore ali, cortaram, hoje tem outra bem pequena aqui, replantaram, eu acho. 


Terminei e comecei milhões de vezes, entre um sol e uma lua, entre uma porta e outra, entre um ano velho e um ano novo, fiz muitos inícios, vivi muitos fins, infinitos fins, términos intermináveis, couberam muitas tentativas dentro das horas, dos dias, dos anos velhos em que me renovo.

Só posso saber o quanto sei na medida do quanto ando.
Só posso saber o quanto sei na medida do quanto caio.
Só posso saber o quanto sei na medida do quanto me levanto.
Só posso saber o quanto sei na medida do quanto me lanço, me jogo, me ergo, me solto...

E para saber sobre o que não sei é preciso não querer saber, é preciso apenas saber o que alma curiosa pretende conhecer, é preciso apenas um corpo aventureiro com desejos simples e raros, desejos de alimento e gozo, de carinho e conforto, de movimento e silêncio harmonioso. E tudo isso, que também é pouco, só se sabe quando já não se é moço, quando já se pronunciaram as rugas, quando já se embranqueceu a fronte, quando já há uma promessa de velocidade média no ritmo da pressa.

Tenho um filho, já moço, um ex menino, um quase homem, um fazer-se humano dentro do tempo que nos amadurece. Esse filho, que ora cresce, ora se apavora com as cobranças do fim da infância, vai saber sobre não ser, vai conhecer um trauma, receber uma notícia, quebrar uma louça, tropeçar numa pedra, escorregar no molhado, vai se lembrar de um abraço, vai acordar de um sonho, vai comprar flores, vai escrever cartões, vai rasgar fotografias, vai queimar poesias. 

Vou aplaudir seu andar sobre a terra, seus buracos e crateras, suas areias à beira mar, suas rochas, suas montanhas íngremes, seus desertos áridos, suas casas, quantas forem, suas famílias, quantas, seus amigos, quantos, seus projetos, o quase, o desastre, o sucesso. Cada caminho tem seu dono, cada anjo seu guardado ser humano. Tem um anjo que guarda meu filho e que dá a bandeirada de largada desta corrida que começa acelerada e que termina num respirar profundo, num ganhar mais fôlego para desfrutar tudo que é aprendido, a matemática das contas, o português das broncas, a química dos corpos, a física dos astros, a biologia empírica, a filosofia, a arte e a magia... Filho de bruxa, bruxinho é...

Abracadabrasaramalé. Faz esse meu filho ser quem ele é!!!

http://www.youtube.com/watch?v=0q5kbMdw7Bk