domingo, 17 de fevereiro de 2013

A Carta da Casa - Que desfeita!


Inspirado na sequência: A Imperatriz / A Estrela / O Mago / A Justiça.

Para: Susana Gabriela da Silva.

foto de Viviane Fracari
Já faz algum tempo que venho me refazendo.
E de tão refeita, às vezes, por deslize, me desfaço de mim mesma.
Que desfeita!
Se alguém, de algum lugar, pode me ver desabrochar entre riachos e verdes planícies. Se há alguém, esse alguém está a brilhar sobre minha cabeça, esse alguém sou eu mesma do alto de minha observação.
Eu posso ver e somente eu posso aprovar ou desaprovar minha transformação.
...
Sinto saudade da paixão.
Dos sons que só ouvimos quando estamos com a boca calada em beijos.
Que desfeita colocar minha beleza num leilão...
Quem dá mais pela paixão?
Oferto toda minha caminhada, registrada dia após dia num calendário de parede de presídio, no qual risco e rabisco os dias vividos sozinha. Conto os dias aprisionada em minha própria solitária.
Que desfeita... Devia eu celebrar os dias que vivo em minha companhia!
A vida me deu terra e água e eu devolvo rancor e mágoa.
A vida me deu luz e vento e eu devolvo e ofereço, a baixo preço, dúvida e receio.
Não estou presa em mim mesma, estou livre para botar à mesa a melhor das refeições.
Quem virá para jantar?
Será uma desfeita se o convidado faltar.
Será uma desfeita comigo mesma se eu me preocupar.
Sei preparar, sei enfeitar, sei temperar, sei receber, sei servir a sobremesa e o cafezinho.
Sei também entregar meu destino nas mãos de meu equilibrado coração.
Posso recolher os pratos e cancelar a ceia, posso lamentar a ausência, a cadeira vazia, a taça de vinho limpa, sem digitais... Lamento, mas agradeço.
Não vou mais cometer a desfeita de me sentir contrariada, minha fartura não precisa ser sempre compartilhada. Estou farta!
Refeita e satisfeita com o silêncio em meu peito.
Pois o som da paixão é baixinho e sussurrado...
Enquanto gritos, vozes e ruídos perturbarem meu exílio, será impossível ouvir os sinos.

Com amor,
Adriana Azenha.