quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Arrogante, eu?

Elas conversaram a noite inteira, em noite de lua alta, orvalhada, lágrimas de lua sobre as calçadas.
Estavam preocupadas com a situação desesperada, com a profunda imersão que uniu num só momento o silêncio, o isolamento, a introspecção, a subjetiva sensação. Preocupadas com a recuperação diante de tamanha destruição, conversaram muito, consultaram livros, sabiam sobre os riscos de tal mergulho, quase um suicídio, um terrível estrangulamento irreversível. Talvez tenha mesmo sido. O fim de um castigo.
E foi, o fim... Pergutaram à ela, se ela já havia pensado no assunto, se estava certa de sua decisão, se tinha levado todos os lados em consideração. Pediram para que ela pensasse novamente, que revisse, que voltasse atrás, que tivesse compaixão, que fosse razoável na determinação. Pensou. E lembrou que a meses estava sentada num banquinho desconfortável justamente a pensar. "Agora você vai ficar sentada aí pensando em tudo o que você fez, menina malcriada, menina levada, menina mimada..." Há meses estava condenada ao banquinho onde colocaram-na sentada, ficou a pensar por horas, dias, semanas, meses... E depois de muito pensar e orar e rezar e orar e rezar e orar e rezar pedindo perdão pelos seus atos, pedindo a remissão dos pecados, pedindo água, sono, pão e o fim daquela punição. Ela foi atendida, chegaram então elas, as duas deusas avessas, uma a gargalhar e outra a chorar, uma disposta a pegá-la no colo e outra exigindo que ela saisse dalí por conta própria, que simplesmente levantasse e saísse, que mandasse todas a merda, que mandasse todos pro inferno, chutasse o banquinho longe, e junto com ele todos os pensamentos que há meses torturavam sua mente. A outra complacente, chorava torrencialmente, deu-lhe um beijo, um abraço e num gesto suave conduziu-a até a saída, longe do castigo, longe dos gemidos, das torturas, dos maus-tratos, pois sabiam elas que, a menina era bela, gentil, amável, sincera, generosa e que agora deveria ser justa com ela mesma, com suas verdades, com suas crenças, com seus desejos, com suas DEUSAS. Parou de pensar e agiu imediatamente, sob a protenção da Senhora do Mar e da Cigana de Marabô. Elas orientaram suas ações, sabiam de todas as reações, cuidaram pra que ela não caísse, pra que que ela resistisse, pra que não se curvasse mais uma vez frente a humilhação de ser julgada, crucificada e acusada cruelmente por não ter preparado a sopa e por não ter limpado com com satisfação a merda do cão. Todo os resto de sua dedicação foi em vão, tudo que ela chamou de amor, não passou de obrigação, de um esforço feito sem nenhuma recompensa, sem beijo de reconhecimento, sem afago de agradecimento. Foda-se seus sentimentos. "Sente-se no banquinho e pense no seu fracasso, na incompetência da companheira preguiçosa, desplicente, mal humorada,  de cara amarrada, contrariada, infeliz e descuidada. Pensou?"
Pensei e cheguei a seguinte conclusão: O banquinho está vago, coloque quem você quiser no meu lugar, cansei de pensar, cansei do castigo, cansei desse banquinho. Rainhas estão habituadas aos tronos. E eu estou sentada no meu. Confortavelmente sentada.